Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                        Punição por antecipação

       Conta-nos Deusdedit Leitão, no seu livro “Vida e obra do padre Rolim,” que, quando Cajazeiras se destacava por “ensinar a Paraíba a ler”, as mãos educadoras eram as do padre Rolim, às quais eram entregues filhos das mais tradicionais famílias. Até o historiador Irineu Joffily e o padre Cícero Romão Batista foram seus alunos. Este último aprendeu, no sertão paraibano, a falar. Depois, passou a liderar seu povo para as bandas do Ceará, a fazer profecias e curas, na cidade que hoje tem o seu nome: Juazeiro do Padim Cícero.
       Por muito tempo, o internato foi considerado escola para pobres inteligentes e punição para filhos de rico. O internato de freiras destinava-se às mocinhas, que se arriscavam a namorar fora dos padrões vigentes ou não tiravam da cabeça aquela paixão proibida pelos pais. Esses colégios, quando não religiosos, eram escolas públicas. Eram internatos de regime fechado, mas todos sinônimos de ameaça a filho desobediente. Dizia o pai ao filho rebelde: - “Caso não se comporte bem, levarei você para Areia, Catolé do Rocha, Bananeiras ou Timbaúba”. Em casos mais graves, o medo se fazia com Pindobal, escola agrícola em Mamanguape para menores infratores, com fama de impor disciplina além da militar, severíssima.
       Tendo três filhos dessa natureza, o capitão Budá Arcoverde, fazendeiro pernambucano, levou-os a Cajazeiras para interná-los no Colégio do Padre Rolim. Chegando lá, conversou com o padre sobre as condições do internamento. Depois da conversa, pediu-lhe licença e carregou os filhos a um terreno descampado, onde começou a surrar os meninos com cipó de marmeleiro. Vendo aquilo, padre Rolim correu em socorro das crianças e indagou o motivo daquele inesperado trato. Esclareceu o capitão Budá: - “O reverendo não sabe como são essas três peças. Sei o que eles vão pintar aqui no seu Colégio, depois que eu for embora. Por isso, estão a merecer essa sova. Daqui a uns dias, merecerão muito mais”. Mais tarde, educados pelo padre Rolim, esses irmãos traquinas seriam o monsenhor Antonio, o doutor Leonardo e o cardeal Joaquim Arcoverde, que chegou a ser primaz do Brasil.
       Na justiça deste mundo existe de tudo: pessoas castigadas sem culpa alguma; outras punidas por antecipação; muitas são punidas justamente porque merecem; outras tantas merecem, mas nunca são punidas, sendo, às vezes, até agraciadas depois do mal que cometeram.
       O bem agir, seguindo-se das leis, normas ou valor moral, afirma-se quando é reconhecido e aprovado. Há a teoria de que se é feliz depois da boa ação, por ser o prêmio da virtude ela mesma. Pois, a boa ação, por si só, é compensatória ao ser parte daquilo que é bom. Do outro lado da moeda, a ausência de punição, diante da má ação, gratifica o malfeitor. A má ação compensada provavelmente se repetirá. Ao contrário, a punição da má ação exerce uma força de coercitividade para inibi-la. A ética nos esclarece essa intrínseca relação entre a felicidade e a moralidade; vincula a integridade da aspiração da felicidade com a aspiração do bem honesto. Como consequência disso, há também a correlação entre a sanção, o mérito e a felicidade.
       Tudo bem. Não se deve praticar a punição por antecipação. Contudo, já nos ensinava Cesare Beccaria: não é a crueldade da pena que freia o delito, mas a infalibilidade da punição.

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 07/09/2010
Alterado em 08/09/2010


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