Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


O Trote
 
     Haverá tempo em que “trote” significará apenas “andadura natural das cavalgaduras, entre o passo e o galope, a qual se caracteriza pelas batidas regularmente espaçadas, executadas alternadamente por cada par diagonal de patas” ou coisa de equídeos, de criadores de cavalo, do hipismo ou dos requintados desfiles militares. Ao fazer esquecer outras representações dessa palavra, o cavalo vence. Talvez, tudo se resumirá a quatro patas, à simetria dos passos do quadrúpede, ao espetacular trotear como o sapateado cigano nos tablados da Espanha andaluza.

     Lembro-me de que, entre 1961 e 1964, os trotes estudantis enchiam a Rua Duque de Caxias para se mostrarem maiores, do Ponto de Cem de Réis até o Palácio do Governo. Festa inteligente: novatos e veteranos se vestiam ideologicamente dos nossos desafios, de instrução sobre política internacional, denunciando os imbróglios do truste e as invasões arbitrárias das grandes potências em desrespeito à “autodeterminação dos povos” tão discursada por Santiago Dantas e Leonel Brizola. As manifestações denunciavam injustiças sociais, muitas delas idênticas às pregações do padre Juarez Benício, na Igreja da Misericórdia, transmitidas pela Rádio Arapuã quando pertencia à Arquidiocese e a serviço do Movimento de Educação de Base. As faixas exigiam “reformas de base” da educação à Reforma Agrária; abordavam também causas nacionais, como a de Monteiro Lobato: “o petróleo é nosso”! O jocoso ficava por conta das caricaturas dos corrutos, pelegos e enganadores do povo. Dias atrás, o confrade Eilzo Matos, da APL, registrou que, enquanto se fazia recente manifestação contra a corrução no país, as entidades sindicais, as ONGs ou as OSCIPs estavam ausentes e, como a UNE, contavam dinheiro. Logo a UNE, que sempre organizava esses politizados trotes! E, segundo Eilzo, “no dia em que milhares de brasileiros saíram às ruas para protestar contra a corrupção, ela não saiu (...) estava contando (...) mais de R$ 10 milhões (...) para construir uma sede de 13 andares, que serão ocupados pelo vazio de ideias”.

     O trote, esperado protesto contra os males do “status quo”, perdeu suas características, para circunstanciar bebidas, drogas e violência, zombarias a quem, com esforço e seriedade, conseguiu ser admitido na universidade; para tornar-se agressão de veteranos a sonhos de novatos. Na mídia, exige-se punição aos trotistas que afogaram o calouro na piscina de uma Universidade; também aos que estupraram calouras nas salas de aula. Essas inaceitáveis adulterações do trote sinalizam que algo de mais grave haverá no amanhã desses futuros profissionais. 

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 26/10/2011
Alterado em 08/03/2013


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