Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


Da Boa à Má Sentença

 
     Conto, hesitando, o quase conto “No cemitério, medo dos vivos”, omitindo choros e angústias de uma tarde fúnebre. Quinta-feira passada, durante o lançamento do livro de Flávio Tavares, lembrou-me meu amigo Palmari que deveríamos comparecer ao velório de uma amiga comum, vinda de New York, onde morava, para ser enterrada em João Pessoa. Aceitei a lembrança de bom grado. Na Missa de corpo presente, detalharam-me seus familiares que a trouxeram para um túmulo da nobre família paraibana. Com poucos conhecidos da falecida, o féretro caminhou rápido. Mas, ao aproximarmo-nos daquele santo logradouro, percebemos um estranho movimento de curiosos, entrando e saindo, com capacetes na mão, e, fora do portão, outros se comunicavam, por sinais ou celulares, ora apontando relógios, ora sinalizando maquinações para o enterro da “rica estrangeira”...  
 
     Outras coisas estranhas se seguiram, como as encenações do coveiro que, de dentro do túmulo, alto e bom som, chantageava o preço dos seus serviços de alvenaria, ameaçando deixar o caixão fora do túmulo, caso não lhe pagassem a súbita e exorbitante alteração do preço que promoveu diante de todos, destruindo a ambiência de tristeza e compenetração que requeria o rito do sepultamento. Esperava-se que a Administração daquele sepulcrário chamasse o feito à ordem, determinando que se cumprisse uma suposta tabela de preços. Temia-se que as horas passassem e, tivesse vez, no escuro, qualquer tipo de assalto, ao cochicharem que uma “rica gringa, do estrangeiro” seria enterrada na nossa província. A confusão, com gritos e insultos, se estendeu à sala da Administração que, muda,  ciente do assunto, conhecia os convidados para aquela balbúrdia.

     Para vergonha nossa e susto dos visitantes, a paz passou a ser iminência de assalto à mão armada. Enfim, escapamos, furtivamente escondendo dinheiro, celulares, relógios, pulseiras, joias; menos a defunta que, exposta, dormiu no túmulo aberto. Há tempos, o Cemitério da Boa Sentença tem reclamado a responsabilidade municipal, entregue às vicissitudes da miséria: desprezo, sujeira, baratas, túmulos abertos, ossos expostos e pela manhã, medo; ao entardecer, terror. Como o Père Lachaise, em Paris, os cemitérios demonstram o quanto são prezados os mortos...  O da Boa Sentença, jazigo de ilustres personagens da história social e política da nossa terra, sofre como tudo aquilo que, por aqui, se esquece por se encontrar “in memoriam”. Nas ruas, viver está difícil; pior é morrer num cemitério de tantas irresponsáveis violências. 

 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 30/11/2011
Alterado em 30/11/2011


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