Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


O Lixo do Capodanno
 
          De repente, vi facas e garfos jogados pela janela.  Depois, os romanos me explicaram que várias regiões da Itália trouxeram para Roma o costume de jogar pela janela, seja de casas, seja de apartamentos dos mais altos edifícios, velhos objetos que simbolizam tudo de ruim do Ano Velho, como isso limpasse a entrada do Ano Novo, chamada por eles de “Capodanno”. Para isso, no final de dezembro, amontoam, perto da janela, pratos trincados, xícaras sem asa, relógios sem ponteiros, sapatos furados, jarro de aselha, lustres sem luzes, mesas velhas, violão sem cordas e até piano quebrado. Festejam o “Capodanno”, lançando fora os infortúnios do Ano Velho, enchendo as calçadas que ficam intransitáveis até as primeiras horas do Ano Novo, quando, ainda no escuro da madrugada, todo lixo é retirado.

          Também noutras cidades, os barnabés da limpeza retiram, durante a madrugada, os lixos caseiros, das empresas e dos restaurantes. Primeiramente, porque, somente no final da noite se consente colocar o lixo na rua, em respeito àqueles que caminham pelas calçadas ao trabalho, ao comércio ou ao lazer. Depois, em grandes cidades, os recolhedores de lixo não interrompem, durante o dia, o tráfego com caminhões se arrastando de casa em casa... Na nossa, temos enfrentado veículos abertos, a partir das 9 horas, à frente dos carros e ônibus, exalando mau cheiro e tornando o tráfego mais lento ainda, em ritmo de cortejo, como se não bastasse nosso sofrimento no trânsito. Diz Saramago que “Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo (...).”

          Aqui não se discute o lixo, como o colocado pelos restaurantes fora das suas dependências: restos de comida, cascas de camarão, cabeças e rabos de peixe e molhos azedados, fermentando sob o sol causticante e exalando uma catinga insuportável. Assim, somos expulsos do passeio público no início da Avenida Argemiro de Figueiredo, no Bessa, onde dois ou três tonéis sujos estão expostos diariamente no pé do poste, incomodando pessoenses, visitantes e turistas. Estrangeiros tapam o nariz com a mão: Apesta! Stinkt! Stinks! Pue! Puzza! Nossa gente reclama: Fede! Mas, esse desmantelo não se corrige há anos. Como canta Rita Lee: “Não quero luxo, nem lixo”, tampouco o mau cheiro que polui o aroma do mar que nos traz o vento da beira da praia.

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 27/07/2012


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