Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


 
 
Imaginações sobre o mar
 
       Pareciam duas margens: uma, menor; a outra, imensa. De um lado, o rio desnutrido, mendigando cheia, de águas contadas, com cacimbas nas areias de Pilar, que me serviam de brinquedo para pastorar piabas e pitus pegados por Domício de Dona Lita, atrás da minha casa, à beira do rio Paraíba; do outro lado, descreviam-me como era o oceano, aonde corriam rios e águas de diversas cores, tornando-se um imane verde nas areias sem fim. Imaginava que os mares dos outros astros não são verdes como o mar do meu avô.  Devem ter a cor de barro, da cor de Marte, como água lá do rio em tempo de enchente.
 
       O mar da minha infância não era tão salgado. Vivia daquelas alegrias de pular contra ondas de boca aberta. Ficava extasiado ao ver aquele mundo d’água. Hoje, há crianças que moram na praia, mas ainda não viram o mar, ainda não experimentaram essa esplêndida maravilha.  No sertão, ao contrário, nasceram poetas que, crianças, imaginam pelo açude a grandeza do oceano.  Açudes pequenos, de profundidade vencida pelas bunda-canastras dos moleques dos tempos de menino.  As cantigas das lavadeiras, na pedra do açude, não se comparam ao “doce morrer no mar”, de Caymmi; nem às canções sobre os pescadores atemorizados por peixes enormes, criados por Hemingway, na pesca de “O Velho e o Mar”.
 
        Quando morava em Itabaiana, vínhamos à praia na “sopa” de “seu” Reimar. Meu avô Joca me dizia como o mar era parecido com o da Bíblia. Assim, imaginava que a água lá do rio não fazia parte da criação; descia com a chuva, pelos montes da caatinga e das bandas do sertão, como era a enchente vinda de Boqueirão. O velho Joca se esmerava em explicar a alquimia de onde se tirava o sal. Apontava para o horizonte onde tudo sumia, até a coragem dos navios, explicando, mais uma vez, que o que é perto e o que é distante só quem cria é Deus. Do outro lado do mar, estavam os continentes, onde vivia gente como a gente. O mar que hoje eu vejo diminuiu de tamanho, chega até a ser insultado pelo lixo do homem.  Meu avô morreu; o mar ainda está vivo, esbanjando exuberância, beleza de tudo que ainda é mar. Que o céu não o deixe cair sobre nossas casas e se derramar sobre todos nós. 
 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 21/10/2012
Alterado em 21/10/2012


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