Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos



A Sigla
 
           A sigla, pensei, deve ter sido inventada por falta de papel. Mas, ao falar-se de espaço, inclui-se o tempo, então pode ter sido também por pressa; como ocorrem, nos dias de hoje, ausências sempre justificadas com a costumeira desculpa de falta de tempo. E, por isso, tudo se abrevia, até o carinho.  Mas, há quem use “Ca” para não pronunciar nome da terrível doença ou “Ap” para sofisticar moradia...
 
          Siglar é coisa antiga. O império romano memorizava sua história, em Roma e nas colônias, gravando, em pedras e metais, SPQR (Senatus Populusque Romanus), que é o acrônimo de: “O Senado e o Povo Romano”. Estas iniciais servem também para gracejar tais italianos: Sono Pazzi Questi Romani (São loucos estes romanos). Lembro-me de que, em Pilar, ainda criança, nas aulas de catecismo, perguntava à Dona Vicenza o significado de INRI (Iesus Nazarenus Rex Iudeorum), escrito ao alto da cruz. Ela não sabia e fazia que não ouvia a pergunta. Mais tarde, já meninote, no Colégio Nossa Senhora da Conceição, de Itabaiana, siglado com CNSC, as freiras deram fim a essa curiosidade, traduzindo-me, do latim, a ironia da colonização romana: “INRI quer dizer: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. Já li contrato em que o contratado Jovino Alves Cabral de Alcântara era JACA. Mesmo em atos solenes universitários, deparamo-nos com a Pontifícia Universidade de Milão a ser chamada por PUM. A abreviação encobre ignorâncias ortográficas. Perguntou o digitador: ¬ “Atenciosamente” se escreve com “s” ou com “z”? Respondeu-lhe seu Chefe: - Agora, a moda é  “att”.
 
           Além dessas inconveniências, as abreviações criam um rude dialeto paralelo ao vernáculo. São consoantes que se sucedem sem formar palavras, diminuindo mais ainda as vogais; e, quando as têm, redundam em cacofonias. Na internet, não há mais nosso idioma. Até me pergunto como jovens, habituados àquele pobre linguajar, escreverão uma redação ou, futuramente, algum texto, objeto da sua profissão. Agradecem com “obg”; beijam com “bj” ou abraçam com um “abç” tão curto que não vem a ser aperto de mão. Paciência teve o saudoso Professor Manoelito Gomes, que ouvia seus alunos gritarem, em bom som,  as iniciais do seu excelente Colégio Universitário. Odeio escutar siglas que não sei, contudo ganhei grosso dicionário desses braquigramas; logo esse volumoso livro ficou desatualizado, porque a siglação tem sido mania extravagante, até nome próprio se abrevia, como “Mª” para o breve e doce nome de Maria.            
                                                                            
 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 12/01/2013


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