Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                                     Médicos Alienígenas
         
          Não existe médico estrangeiro ou estranho. Quando muito, bizarro, de bigode alongado e pincenê de lentes redondas na ponta do nariz... Mesmo assim, logo se transforma em homem paramentado de branco, até de avental como se fosse fardado para prestar desejado serviço, como fazem os bons cozinheiros ao darem maior uso e finalidade ao avental, preparando-nos prazerosos pratos. Justifica-se tal modesta comparação porque boas ações simples e realizadas para o bem dos outros sempre se demonstram comparáveis e análogas.

          Ultimamente tem se cobrado, com insistência, a presença de pelo menos um médico nas recônditas cidades do nosso país, onde a comunidade, muito mais do que as das grandes cidades, necessita de um médico. Nesses lugares distantes, se acontecer alguma coisa com alguma pessoa, a salvação está sempre à distância. Essa cruel realidade não atribui “culpa” aos médicos, mas valor, valorizando-os, supervalorizando sua profissão, pois, nenhuma outra é tão assim nacionalmente requerida... Nunca ouvi igual exigência para a pequena cidade ter um engenheiro, um arquiteto, um advogado, um vigário, um pastor, um delegado, um juiz, até mesmo um professor
. Se Alcides Carneiro definiu que “hospital é o lugar que por infelicidade se procura e que por felicidade se acha”, bem diferente de um hospital vazio, em circunstâncias incertas, o médico é aquele que por felicidade se procura e que por felicidade se acha.

          No início de uma das semanas da minha infância, em Pilar, meu pai amanheceu gemendo uma dor que lhe atravessava a costa.  Segundo ele, isso lhe ocorrera ao descarregar o caminhão da Casa Furtado que trouxera de Santa Rita tecido para sua loja. No fim da semana, chegaria o médico que visitava a cidade de quinze em quinze dias. Na hora da boca de pito, já boatavam “ser aquilo doença feia”. Desde então aprendi que só há prazer na saúde e, desprazer, na doença... O velho médico chegou em silêncio e,  com certo rito, retirou da bolsa um martelo brilhoso com a ponta de borracha e martelou o joelho do meu pai; em seguida,  pediu que ele repetisse 33, enquanto escutava seus pulmões com usado estetoscópio; repousou a mão esquerda na barriga do paciente, batendo com os dedos da direita; escutou o coração do meu pai. Enfim, ao escrever coisas quase ilegíveis, suspirou como se estivesse cansado, alegando ter vindo de longe... Estava feito o milagre, de repente, tornou-se da família. Nenhum médico é alienígena.

 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 07/09/2013
Alterado em 14/09/2013


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