Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


 
Votar secretamente o voto secreto
 
          Lembro-me bem dos caminhões, das carroças puxadas a trator que carregavam eleitores para votarem no Mercado Público de Pilar, onde também almoçavam o boi doado pelo patrão. Os camponeses só desciam da carroceria quando para isso lhes ordenava o “capitão de mato”, homem forte, de bigode, com cara de truculento, que gritava outras ordens no engenho e no corte da cana. Tais rurícolas do canavial pareciam fardados pela simplicidade das vestes, algumas de “manipulão”, brancas e encardidas ou de azul escuro, feitos os beatos de Antônio Conselheiro. Muitos portavam chapéu de palha, poucos se acentuavam com surrados chapéus de massa. O voto, considerado secreto, já estava escrito na chapa que cada um guardava, como se fosse dinheiro, no bolso da calça. Mas todos sabíamos em quem votariam, eram “eleitores de cabresto”...

          Uma das vantagens do voto secreto é a do eleitor dissimular a vergonha de votar em candidato incompetente ou desonesto; a outra, de comprometer-se com vários candidatos e votar em seus adversários; ou, após a eleição, a de não ser perseguido pelo eleito... Por outro lado, há quem renuncie esse direito de votar secretamente, vestindo-se completamente com as cores de um candidato, amontoando na roupa broches e adesivos de um partido... Ou, ao não haver “urna eletrônica”, marcar o “x” às vistas dos mesários. Enfim, preservar em segredo a quem foi dado o voto secreto é opção de cada eleitor, pode até deixar de dizê-lo à companheira ou a mulher, ao companheiro, se vale a pena...

          O eleitor pode exigir seu direito de voto secreto; jamais o eleito, sobretudo porque, no parlamento, o político vota representando quem o elegeu, devendo-lhe “transparência”, não tentando esconder o voto quando não é feito pelos interesses do povo e muito mais representando particulares interesses e às vezes os dos governantes. Esses nossos representantes deveriam demonstrar o que votam para verificarmos se não estão traindo nossa confiança, se votam exatamente como votaríamos, seguindo nossa opinião, nossa vontade e conforme nossas necessidades. Como usurpam essa representação! Daí, existirem tantos parlamentares agindo, maquinando e arregimentando aliados para que seus votos permaneçam como segredos e escondam dos seus eleitores e dos governantes o que é votado em nosso nome.  Como o eleitor exerce predominância sobre o eleito, o voto dos bons vereadores, deputados e senadores é, em certo sentido e em atenção ao povo, um “voto de cabresto”... 

 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 13/09/2013


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