SEMPRE AOS DOMINGOS
“Cautela e caldo de galinha não ofendem a ninguém.” Era assim que seu Amâncio, nos bons tempos de Itabaiana, costumava dizer a meu pai, avaliando coisas possíveis de darem certo. Pois é, uma canja de galinha ofende a ninguém, até quando não é bem feita.
Semelhante a essa ingenuidade alimentar, experimentei, sempre aos domingos, entre muros etruscos de Perugia, na cozinha dos Fucelli, o delicioso “brodo” italiano, que era servido, de acordo com o pedido, como entrada do almoço para esquentar o estômago ou apenas como um jantar de ingênua comida. “Mamma Nina” retirava da carcaça da galinha, coado, leve e transparente caldo. Fervia-o para deixar “al dente” os “agnolini”, perfeitamente recheados de carne ou frango moído, vezes outras, “capeletti” ou “tortelini”. Cheguei a entender que a diferença está nos recheios. Quando, depois de dez ou doze minutos, a massa ficava ao ponto, coloria o “brodo” com salsinha picada, o que, às vezes, substituo por coentro. ““Il pasto pronto”, gritava: “ – Ragazzi, a tavola!”, que também é título do indispensável livro de Jesper Juul sobre “o momento da refeição como espelho das relações familiares”. Patrizzia preferia acrescentar uma colher de bom azeite, e eu e Giulia, iguais aos outros, de parmesão ralado. Pronta e servida a costumeira sopa. Saborosa, nutritiva, leve e inofensiva. Revolto-me, quando um restaurante se diz italiano e não oferece no cardápio o italianíssimo “tortellini” ou “capeletti al brodo”. Volto a insistir: caldo de galinha e brodo agradam a todos e ofendem a ninguém.
Reconhece o povo que o gosto é essencialmente subjetivo, ao proverbiar que “cor e gosto não se discutem”. “Brodo” aos domingos?... Ah! Há quem deteste “brodo” e viva resmungando a odiar o domingo. Por motivos estapafúrdios, é verdade. Mas, há quem não goste do domingo. Uma dessas incompreensíveis explicações é a de que ser esse prazeroso dia véspera da segunda-feira, do retorno ao trabalho. Eu adoro o domingo. Amanheço sem obrigações, apenas com alguns hábitos como o de ouvir música clássica que me prolonga o silêncio da reflexão; ler jornais; reler meus escritos; continuar pelos livros; assim, vou, atendendo boas conversas ao telefone, espreguiçando-me numa rede macia, até a hora de ir fazer o almoço para a mulher, filhas, genros e netas, que me fazem desejada domingueira companhia, às vezes, com participação de convidados. O domingo me lembra a canja de seu Amâncio e o “brodo” dos “Fucelli”. Um bom domingo não ofende, nem mesmo a ninguém.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 28/12/2009
Alterado em 26/01/2011