Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos

FESTA DAS NEVES E QUERMESSES



A primeira “festa das neves” que eu vi foi em Pilar. Sem rodas gigantes, o carrossel era empurrado pelo dono, girando em torno do jovem sanfoneiro. Preferia esse divertimento à canoa, que dava frio na barriga, com suas subidas e descidas bruscas. Maior atração era a chegada das enormes pedras de gelo, trazidas da capital pela “sopa” de Itabaiana. Enroladas em estopa, sob pó de serra, para, à noite, esfriarem as bebidas da festa.

Disputávamos o privilégio de tocar aquelas pedras e experimentar seus pedaços e raspa. Lembra os índios, trocando ouro por esquisitas lajes contrárias ao calor. Certa vez, boataram que as bolas de festa, cheias de um misterioso sopro, voariam pelas nuvens adentro. A magia desapareceu quando, para obter hidrogênio, o vendedor de bolas foi visto misturando ácido sulfúrico com o zinco dos vazios tubos de pasta dental, que encontrávamos pelo chão das ruas sem calçamento.

A segunda quermesse, de maiores proporções, em Itabaiana. A tecnologia dos balanços e carrosséis tinha avançado, interessando até a gente grande. Maior também o “pavilhão”, onde se leiloavam galetos, perus, bodes e carneiros. Enfileiravam-se barracas, roletas quase iguais às dos cassinos, tiro ao alvo, casinhas de coelho, pirâmides de latas derrubadas por bolas de meia e até o homem que virava macaco. Foi então que a minha idade entendeu a quermesse como ocasião de conquistas amorosas, troca de bilhetes, piscar de olhos e furtivo “flirt”; de se angariar dinheiro para a pintura da igreja, tirar suas goteiras ou consertar sino rachado. Também observei, na procissão, mulheres cobrindo com mantilhas as cabeças, e os homens descobrindo-as, com seus chapéus na mão.

Somente em 1959, conheci, na Rua General Osório e adjacências, da pompa à “bagaceira”, a verdadeira Festa das Neves. Cabiam dentro dela as de todos os outros lugares. E quanto mais acontecia, mais crescia. Hoje, quanto mais acontece, menos cresce. Muitas crianças não saberão contar a Festa das Neves do seu tempo. Lá não serão levadas, tampouco irão. Preferirão coisas estranhas à infância: televisão, conversa pelo “mensenger” ou passeio no shopping, como se tivessem perdido a meninice. A Comissão da Festa tudo planejou, da montanha russa às maçãs carameladas, e os “noiteiros”, para abrilhantarem os festejos.  Os jovens namorarão noutro lugar, poucos saberão o significado do dia 5 de agosto para a sua cidade.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 30/03/2010
Alterado em 30/03/2010


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