A BELA E TRISTE CLARICE
Na semana passada, Fabrizzio informou aos amigos o que toda rua sabia: a mãe se foi embora com o melhor amigo do pai. Disse ele que, em casa, ninguém entendeu o porquê. O pai tem acima de sessenta anos e, durante toda vida, tratou a companheira com muita fidalguia. Ultimamente, vinha misteriosamente calado, abria a boca apenas para continuar demonstrando ser uma pessoa educada: “ - Bom dia! - Com licença!- Perdão! – Boa noite! Até amanhã!” Fora lembrar a injeção da diabetes, pouco incomodava Bentinha. “- Tem um apetite de cavalo”, era sempre o que ela repetia sobre o marido, jamais cansando de reclamar-lhe as “extravagâncias” e que, um dia, ele morreria por não tê-la escutado. O pai parecia não saber o que estava ouvindo e repetia como imitasse uma ladainha: “Extravagância! Extravagância!“ Sua irmã Clarice via naquela repetição uma velada crítica do pai à cantilena que escutava da mulher. Contudo também não sabia explicar porque ela fora embora e mais com aquele que demonstrava especiais atenções à sua família.
Por que ir embora? Às vezes em que se demonstrava zangada com alguém de casa, verbalizava cuidados com a saúde de todos, o que não deixava de ser queixa de mãe e, se ao filho Fabrizzio, dirigia-se com feições de ternura. Com esmero, escondia do marido tudo o que era doce. Esses gestos não agradavam a ele, que, em silêncio, resmungava perda de liberdade. Mas, os filhos achavam que fazia parte dos cuidados que ela dedicava à família. Afinal de contas, nunca deixou de ordenar que a casa estivesse permanentemente varrida; a mesa forrada, sempre preparada às refeições. Uma vida pacata, de rotina. Mas, que desgosto teria acontecido à Bentinha? “- Nunca um de nós a viu chorar.” Apenas se desconfiava do modo demorado com que olhava a rua, debruçada à janela, horas e horas, fitando a mesma coisa, pensativa como visse outro mundo.
Fabrizzio comentou que tanto o pai como a mãe não se manifestavam afeitos à troca de carinhos. Viviam em paz, como irmãos que moram sob o mesmo teto, parecendo levar uma vida feliz. Aqui e acolá, escutava algumas insinuações sobre o esquisito comportamento da mãe à janela. A irmã pedia que se calasse, que aquilo não passava de boatos sem fundamento, de gente que, por natureza, gostava de inventar histórias, incomodando-se com a felicidade alheia. Clarice assumiu o lugar de dona de casa, inclusive o costume de debruçar-se todas as tardes à janela, à espreita do namorado, pousando numa das suas bicicletas Monark ou Bristol. E também, como ela confessava a Fabrizzio, não cansava de aguardar o retorno da mãe: “Assim como foi, voltará. Voltará... nem levou consigo o gato que tanto amava”.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 11/04/2010
Alterado em 06/12/2010