O COLECIONADOR DE PALAVRAS
Ideias, ele as tinha e constantemente novas ou inovadas. Sabia como ninguém exprimi-las, com tanta clareza, que não se distinguia se apenas desejava expressar o que pensava ou ocupar-se em ensinar como revelar seus pensamentos. Mestre em comparar coisas diferentes de qualidades semelhantes. Vi com que rapidez mostrou a acerola à neta para ela compreender o que seria uma cereja.
Mas, o que mais amava na vida era a palavra. Sem ela, afirmava enclausurar ideias, conceitos ou noção das coisas. Perguntava: “Como dar vida à ideia se não na palavra?”, exaltando-a de modo radical: “Sem palavra, não se pensa.” Ao escrever, justificava a demora da crônica, do artigo ou do conto pela falta da palavra. Confessava que, às vezes, não tinha a ideia, mas, ao encontrar a palavra adequada, tudo começava a fluir.
Vivia com um livro, um texto ou jornal na mão para não perder o infatigável exercício da leitura. Certa vez, discursou na inauguração de uma biblioteca na Universidade : “A palavra está para o educador, assim como a madeira para o carpinteiro”. Com certeza, não se referiu apenas ao educador, mas a todas as profissões que necessitam da palavra. Era lendo que garimpava palavras, colecionando-as como se fossem pedras preciosas ou joias inegociáveis. Certamente, ao ler O Avarento, de Molière, invejou a avareza de Harpagon e imaginou, em vez da arca de ouro, possuir arcas e arcas de palavra. Criticava o Tenente Bispo que costumava escrever com giz longos e complexos cálculos matemáticos nas calçadas da Av. José Silveira, em Itabaiana, lamentando que tudo seria apagado pelos pés de qualquer transeunte. E, com desdém, comparava: “Números são números, palavras são palavras”. Estas deveriam ser imunes a qualquer desaparecimento.
Ao avançar da idade, percebeu que a palavra andava se escondendo; que aqui e acolá não a encontrava, tampouco seu sinônimo. Alguém estaria subtraindo suas joias da arca, de modo crescente e progressivo. Angustiou-se, amargurado, zangava-se com o mais tolo assunto. Ao contrário do que propagava, tinha a ideia, mas não aparecia palavra para lhe dar vida. Aconselhado com insistência a ir a vários médicos, de todos recebeu a sentença fatal: deveria conviver com o sumiço das palavras; elas se desmanchariam como bolas de sabão. Ao frasear qualquer pensamento, os termos se trocavam por palavras inadequadas, incompreensíveis no contexto do discurso. A perda da memória para os amantes da palavra é como morte lenta, falta de ar agonienta. Assim pode ser o crepúsculo vespertino de qualquer poeta, cronista ou de qualquer escritor.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 18/04/2010
Alterado em 11/07/2010