ANIVERSÁRIO DA VIDA
De tudo que tem vida, só o homem conta o tempo e reconta-o em aniversários. Disso muito nos tem falado a imprensa: notas de aniversários de morte; falecimentos de sete, trinta e sessenta dias; de um, três, cinco e até de cem anos, quando são mortes de pessoas consideradas ilustres da sociedade; convites à missa pela alma do morto. Assusta-me como, a cada dia, cresce o número dessas notícias sobre gente conhecida e contemporânea... Quando notas de falecimento, causam desagradável surpresa; quando sobre aniversários de morte, saudades e tristezas. Em algumas delas, a frase latina “in memoriam”, geralmente escrita errada: “in memorian”, o que tanto se lê em convites de casamento. Talvez, alguém a escreveu incorretamente e, assim, é divulgada, inglesando-se imortais latinistas, como Virgílio, Ovídio e Horácio. Uma lição tiro do episódio: língua, até morta, na boca do povo se torna viva.
O mês de abril, a começar pela filha Rachel, é para minha família sobejamente um mês de aniversários: sábado dezessete, comemoramos o da minha mãe Lia; quatro dias depois, do meu irmão Marcelo; o meu fica quatro dias após este. Graça a Deus, são aniversários festejados da vida. O meu é no mesmo dia 24 de abril, do inesquecível amigo Francisco Pereira Nóbrega, que escrevia, neste espaço, belíssimas crônicas. Comemoro essa data de maneira peculiar: vou a Pilar e, na Rua José Lins do Rego, em frente ao Mercado, entro para minha primeira casa e visito o quarto, onde nasci pelas mãos da parteira Dona Angelina. Sem tomar o chá do Santo Daime, retorno aos meus primeiros instantes de vida, ao ver e acariciar as grossas paredes de taipa; acredito que “paredes têm ouvido”, supondo terem escutado meus primeiros choros e o balbucio das minhas primeiras palavras; penso até que elas sentem meu afago; miro o velho teto que recebeu meus primeiros sorrisos. Faz-me bem caminhar ao inverso do quotidiano, como cantamos no antológico Riacho do Navio de Zé Dantas - Luiz Gonzaga, nadando contra as águas, do mar em direção ao rio e, nesse desafio, retornando à fonte, à origem.
Este é aniversário da vida que não deixa de lembrar aniversários dos que já se foram, como o meu pai Inácio, e que um dia também iremos. Paredes da velha casa me emocionam, fazem-me escrever versos: Em cada minuto de vida,/ eu morro um segundo./ Em cada segundo de morte, /parto deste mundo, /da mais viva idade / à infinda eternidade./ Em cada passo da ida,/ caminho tanta alegria,/ destino repleto de sorte,/ passos e passos da vida,/ inevitável estrada da morte. Talvez tudo se repita, embora ironize Sofocleto: “Os aniversários são o aluguel que pagamos pela vida” ou, digo eu, festa para lembrar o que passou e comemorar o que resta a passar.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 30/04/2010
Alterado em 11/07/2010