Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                        O DESAPARECIMENTO DA CASA


       - Meu senhor, aqui não existia uma casa, de alpendre, de jardim com um jenipapeiro por trás? Respondeu-me sem olhar, como se ignorasse o óbvio: – Não vê?! Não, não existe mais. Distanciou-se o estranho desconhecido, pensando satisfazer-me com a lacônica informação. Fizera todos os planos para ali chegar e, no entanto, havia desaparecido o principal motivo da viagem: rever a casa, parte das brincadeiras da infância, primeira imagem das minhas lembranças... Mas, como bem vi e ouvi, já não existe mais e, sem ela, a rua mudou de tal forma que comecei a não reconhecer a cidade. Prédios, em lugar de casas; alumínio e zinco, substituindo esquadrias, onde se batiam e gritavam os “ô de casa!”. Uma profusão de lojas, vitrinas, algumas com portas de esteira. Orgulho inovador da pequena cidade: uma loja quase com paredes de vidro, de teto metálico, ocupando o espaço de belos casarões, para entronizar manequins vestidos de shorts, saias, blusas e paletós.
       A ponte, de onde se admiravam as águas do rio, igualmente não existe mais, havia desabado numa das grandes cheias. Os mais velhos costumavam acomodar-se ali, todas as tardes, uns de cigarro apagado na orelha, outros a palitarem os dentes, mirando, sob a aba de surrados chapéus, bois, carneiros e bodes, matando a sede na margem do outro lado. Alguns saíam de casa pelo quintal, que ligava o sítio ao rio. E, ao chegarem ao lugar de costume, já encontravam os amigos de bate-papo, numa espontânea conversa que se prolongava até a hora do jantar. Acompanhou-se a construção da ponte: musculosos trabalhadores trazidos por caçambas, sob as ordens do Chefe do DER em Itabaiana, doutor Ivon Rabello. Pois, em Pilar, pouca gente sabia fazer aquele trabalho de fincar enormes colunas, armadas com ferro e concreto, no leito do rio.
       Se já não existe mais a casa na rua e na cidade da fiel história, ponte... que importa?! Trocaram lindos casarões pelo comércio de coisas sem valor, que desaparecem em pouco tempo sem enfrentar a vida como a velha e robusta casa derrubada. Bem protestou Cícero, no discurso “Pro domo” (Pela própria casa), quando, de volta à Roma do exílio na Grécia, exigiu a indenização pela sua casa incendiada como se cobrasse parte da pátria perdida. Quanto ao caro leitor, indenizar o quê? A casa, onde se realizou parte da nossa vida, torna-se, para sempre, na realidade ou na esforçada memória, insubstituível castelo.

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Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 20/05/2010
Alterado em 20/06/2010


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