Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


 
                  De São João a São Pedro
  
   Os
saudosistas estranham como diminuem os costumes das suas tradicionais festas, o que os envelhece, sem merecerem tal desaparição. Já ficamos à espera de que toquem Luiz Gonzaga, Flávio José, Dominguinhos, Antônio Barros e Cecéu, Waldonys, Targino Gondim, Pinto do Acordeom, Sussa de Monteiro ou Clã Brasil. Também sucessos do Forró Fest, que cultiva a autêntica música paraibana, distinguindo-a da baiana, do “reggae maranhense”, da “sertaneja” dos gaúchos e goianos ou do próprio samba.
  Até os amantes do silêncio apreciam o barulho dos fogos, a gritaria das crianças soltando traques, estrelinhas, bombas chilenas ou chuveiros; como Roosevelt Vita, divertem-se com o espanto causado pelas estrondosas bombas de cordão; fogos que dão luz e cores aos festejos juninos. As comidas e a fogueira caracterizam São João e São Pedro como festas sazonais: período de frio, de chuva e de muito milho verde. Quando menino, ficava à espreita das lagartas verdes e das bonecas nas espigas, separando o milho para assar ou cozinhar. No moinho, passava-se o da pamonha e o de um alguidar de canjica, servida em pratos enfeitados de canela em pó. Brincávamos com castelos, torres e currais de sabugos cujos pedaços eram gado a comer grãos de milho caídos no chão. Na Una, Tia Dinalva preparava, como ninguém, bolo de milho, de mandioca, de macaxeira, pé de moleque, bolinhas cambará e castanhas torradas na lata de querosene, ao lado da fogueira.
   A festa junina, aos poucos, mudou-se do campo para a cidade. Mas, é do mundo rural a originalidade da sua graça matuta: quadrilha, bandeiras e lanternas! Onde, na boca da noite, o céu, limpo e estrelado, realça as labaredas da lenha amontoada em fogo. No terreiro, dá-se vez às crendices e adivinhações: pés, engrossados pelos espinhos e pedregulhos do roçado, caminham, reforçando a fé, sobre brasas da fogueira; as moças cravam a faca virgem na bananeira para ler, noutro dia, na lâmina, a letra inicial do pretenso namorado; põem clara de ovo no copo, com água pela metade, para se ver, no fundo, uma igreja anunciando casamento, ou um cemitério, tristeza; pingam cera de vela, no prato fundo com água, para formar a inicial do príncipe encantado. Duvidar dessas crendices não desinteressa ninguém pelos seus resultados. Torço que esses ricos valores culturais passem às jovens gerações. Nada substitui o que o povo sabe criar, quando realiza sua genuína cultura.

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Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 10/06/2010
Alterado em 19/06/2010


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