Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                                   O  Brejo  Sertanejo
         
        O sertão anda, sem querer,  concorrendo com o circuito do frio das serras da Borborema. Hospedei-me em Brejo das Freiras, em viagem de trabalho a Cajazeiras e desfrutei do ventinho frio, saudável,  incomparável com o sopro artificial do ar refrigerado. Vento que vem lá do Aracati, esperado,  na boca da noite, pelos bate-papos sentados em cadeiras na calçada das casas interioranas. Caminhei,  admirando enormes cururus que , aqui e acolá,  pulavam alimentando-se de mariposas, sob algarobas, serenas, dando a impressão de satisfeitas por não chorar orvalho gotejado nas noites de verão. Não existe coisa mais linda do que copas e matos verdes nas regiões semiáridas onde, em parte do ano,  reclamam a seca. Pois é! O sertão não inveja o brejo, delicia o frio como nas desoras de algum oásis.
       Senti a sensação de fazer nada. Fazer nada, para o taoismo, é a experimentação da felicidade, da ausência das preocupações, num mundo em que estar sempre ocupado  vem se tornando obrigação contínua , “ação ética”, causando até o movimento contracultural do “no work” (não trabalho) nas sociedades avançadas, objeto de estudo e pesquisa da Sociologia do Lazer.  Imagino que, no paraíso, parte da felicidade é não fazer nada diante da imensurável beleza. Porém, parar é uma aventura , ao lado da corrida concorrência e do aproveitamento obsessivo do tempo , mesmo para merecido descanso. Fernando Pessoa expressa, em poesia,  a alegria “na face de não cumprir um dever”. Que isto não se utilize para justificar irresponsabilidades de quem  faz pouco dos outros, fazendo nada das suas responsabilidades. Pois, viver bem  o ócio é apenas dar vez à contemplação do belo e à meditação daquilo que é bom. 
        Continuei a caminhada taoista levado mais pelo prazer do que pela obrigação de estar cuidando da saúde, esquecendo que “você tem de caminhar” e não se sabe aonde... Aliás, o prazer natural, nos espontâneos limites, faz bem à saúde.  Voltava e ia à fonte das águas térmicas, atraído pelo cheiro da vegetação verde e o cantar das aves noturnas, quando Epitácio me retirou desta absorção para tomar uma deliciosa coalhada: “De leite igual a este aqui, doutor, nem a capital tem”. Aproveitei a internet sem fio, recentemente instalada naquele hotel, gratuita aos clientes que queiram navegar e escrever à noite, apenas ao som do teclado das letras, até pegar no sono, acalentado pela brisa. Ao amanhecer do dia, sob o canto dos pássaros, passa pela janela o despertar de um tímido sol, convidando-nos o desejo a dormir de novo, não pelo sono em si, mas para voltar, pelo mesmo caminho,  à noite que passou.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 21/08/2010


Comentários
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Vilma Orzari Piva
Damião, através das suas letras pude desfrutar das delicias desse lugar encantador, Brejo das Freiras. Realmente, é um lugar prá se conhecer,estar e por ali ficar de bem com vida. Parabéns por sua lindissima crônica. Adorei !!Bjs. Vilma
H
Hugo Marcelino
Meu preclaro Damião, mesmo que não te lembres de mim, quero comentar o prazer de ler suas impressões instantâneas sobre sua passagem por Brejo das Freiras. Sua narrativa nos convida a refletir sobre a valoração do sublime, do fugaz, daquilo que não tem medida senão no peito da gente. Continue repartindo conosco suas observações, forte abraço!
G
Genesy Pontes dos Santos
Damião, adorei esta crônica, por dois motivos reais, a minha aposentadoria está muito próxima...vou ter a oportunidade de viver bem e merecido ócio, e da próxima vez que eu for à João Pessoa, vou fazer questão de conhecer Brejo das Freiras.
L
Letícia Maia
Caro Damião,sua crônica deixou-me com mais vontade ainda de conhecer Brejo das Freiras. Meu avô, Sabiniano Maia, gostava muito do Hotel e sempre falava com carinho,das vezes que lá estivera. Pretendo programar um final de semana neste paraíso sertanejo, curtir as coisas simples e os momentos sem pressa, um deleite para o corpo e o espírito... Um abraço.
F
Francisco Alves Cardoso
Meu caro Damião Ramos Cavalcanti: Acompanho as suas crônicas/ou trabalhos outros nas páginas do Correio da Paraíba. O último trabalho, intitulado "O Brejo Sertanejo" traz uma frase importante sobre o nosso sertanejo Epitácio: "DE LEITE IGUAL A ESTE AQUI, DOUTOR, NEM A CAPITAL TEM". Epitácio, já octogenário é uma figura extraordinária, apaixonado pelo Brejo das Freiras. Ele age como diz a música: "Daqui não saio, daqui ninguém me tira." Beleza de artigo. Atenciosamente, > Chico Cardoso > Programa Caldeirão Político diariamente na Rádio Oeste da Paraíba, às 18:30 horas. > Telefones para contatos: 031 (83) 3531-4429 e 96157942 > Site: www.portalcaodeiraopolitico.net > Emails: chicocardoso.caldeirao@gmail.com ou chicocardosocz@yahoo.com.br

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