Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                              O Adesivo 

      
Andam pela cidade muitos carros à moda do jipe Wills, carregando ostensivamente o estepe na traseira. Sempre achei que o “Jeep” americano colocava o pneu de reserva no lado de fora por falta de espaço, o que não sucede com esses novos veículos de luxo, espaçosos. Diferentemente dos antigos jipes, vestem o pneu com luxuosa capa de couro ou de napa. Nessas capas, “adesivam” sempre uma marca ou algum impresso ilustrativo: puma, leão, macaco, conjunto musical, slogans, propaganda, etc. Estando atrás de dois desses carros, observei que ambos estavam com retratos da Mãe de Deus nos pneus de reserva. Perguntei ao motorista Rodrigo se aqueles dois proprietários colocariam naqueles estepes a fotografia da mãe deles. Respondeu-me: “- Não, doutor! Retrato da mãe deles? Só em casa, em lugar de respeito...” Justifiquei a mim mesmo: Talvez creiam que a mãe deles não proteja o carro como aquela foto sagrada, mesmo no pneu, de chuva a sol, servindo também de para-choque.
      
Continuei a pensar em tudo que se prega no carro, também sobre o mais usual: o adesivo. Há vários tipos de adesivo: os de parede; os decorativos; os de equipamentos eletrônicos; os publicitários e os chamados emplástricos, como esparadrapo, que servem à saúde, colados na pele, contra vício de fumar, contra exagerado apetite em caso de dieta e também o adesivo anticoncepcional para se evitar gravidez indesejada. Mas, volto ao do carro, usado no período de campanha eleitoral que, em caso de vitória, é supervalorizado também fora deste período.
      
Existem profissões que, por conveniência, para mostrar neutralidade, como magistrados, peremptoriamente, recusam o uso de adesivo partidário. Sucedem a estes os que se negam usá-lo por amor ao carro: “Já riscaram meu carro por isso...” Enfim, escutam-se até razões legais, no corredor de “adesivagem”: “O voto é secreto!” Ao contrário destes prudentes, há os que fazem questão de tornar pública sua opção, inclusive cobrindo o para-brisa com dezenas do mesmo adesivo ou todo o automóvel com um adesivo do tamanho de um lençol. Logo após a contagem dos votos, a maioria dos adeptos do candidato perdedor arranca rapidamente os adesivos, poucos esperam para retirá-los na lavagem do carro, raros são os que persistem “adesivados”, não desistindo de torcer e alguns expertos chegam a trocar de adesivo. Objetivamente, por princípio, estes adesivos valeriam apenas durante a campanha. Porém, terminada a eleição, muitos os preservam, por longo tempo, como certificado de participantes da campanha e na esperança de que o candidato vitorioso saiba que ele é um dos seus “decisivos” eleitores, desejando ser contemplado pelo eleito, graças ao adesivo compensador, então vantajoso acessório do seu carro. Nessa hilar comédia, parodio Fellini: “E la nave va”...


Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 13/11/2010
Alterado em 13/11/2010


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