Distinções da Cultura
A cultura em si é o modo de viver um determinado povo e a transformação que ele faz da natureza a serviço da sua sobrevivência. Nesse sentido, nunca ninguém deixou de tê-la. Por isto, se não pode afirmar que alguém não tenha cultura, por considerá-la uma pessoa inculta. Embora cultura venha do verbo “colere”, cultivar, e o seu particípio passado “cultum” signifique cultivado, a genuína definição de cultura se distancia do significado de ser culto ou erudito e se aproxima muito mais de ser popular. Os que produzem a cultura erudita satisfazem a elite social e, enfim, cultural por ter adquirido também, de modo elitizado, conhecimento, educação, mundo letrado e vasta instrução de ideias e pensamentos eruditos. Estes predominam nos museus, nas requintadas exposições, nos lançamentos, nas galerias, nos concertos, nas conferências, nos vernissages, no refinamento cultural.
A meu ver, a cultura nasce popular, é o homem quem a elitiza; é o elitizado quem a traveste de erudição. A cultura popular, na sua realização, torna-se mais popular ainda quanto mais for adequável às necessidades populares, confirma o senso comum. Moldada pela linguagem do povo, expressa o dia a dia, a luta pela sobrevivência, circunstâncias, ações, atos, fatos da vida do povo. A cultura, realizada dessa maneira, não foi criada pelo gosto artístico dominante, refinado. Também quem a faz popular não é o produto em si, mas o artista produto e reprodutor do seu meio, do meio rural e, se do urbano, das periferias da cidade.
A cultura popular se manifesta mais conservadora do que a erudita, pois preserva, das suas raízes, a tradição mais genuína e homogênea. Quando absorve novos elementos, em festas ou danças que se sofisticam para exibições turísticas, perde a feição da alma popular. Isto ocorre com o carnaval “fora de época”, desvinculando-o do tempo e espaço, determinantes da sua origem. Se a cultura popular pretende se sofisticar como a erudita, ela não se legitima nessa estratificação, por não possuir o mesmo status da erudita nem ter sido cultivada e transmitida pela elite, mas sim, pelas ruas e meios sociais da ambiência e convivência populares. No caldo da arte popular, o artista cria, mas é o povo quem tempera. Há quem diga serem a popular e a erudita uma só cultura. Mesmo assim, Pestalozzi distingue a cultura popular como “a força ordenadora” e unificadora do nosso povo, pois, sem ela o povo seria apenas massa. A indústria cultural ao desfazer esses limites definidores, cria uma interseção entre distintos conjuntos: o popular e o erudito; oferece, numa só vitrine ou num só balaio, a cultura erudita da elite e a cultura popular do povo.
www.drc.recantodasletras.com.br
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 04/12/2010
Alterado em 07/12/2010