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Coisas de Criança
Admiro pinturas e fotografias de crianças jogando na rua, sem preocupações com o tempo e com o espaço, tão somente com a bola ou algo como ela que, redonda, rola para a direção aonde se deu o chute. A infância me lembra a bola de meia e a de bexiga de boi que ia sem direção ou a pequena bola de borracha, do tamanho de uma laranja, em que o pé acertava com dificuldade, sendo mais difícil ainda o goleiro agarrá-la. Nessas memórias, pinturas ou fotos, verifica-se que os adultos passam à margem, indiferentes, sem pararem para admirar belas jogadas, criativos dribles, depreciando tudo isso como apenas “jogo de criança”. Diferentemente apreciariam o jogo de adulto... Coisas valorizadas seriam aquelas em que a criança demonstrasse mimetizar o adulto, como se observa no Emilio, de Jean Jacques Rousseau... Se essa desvalorização da criança é demonstrável nas suas atividades lúdicas, imaginem como ela é tratada, junto às atividades de gente grande, onde impera e se cultiva arrogante adultocentrismo. Assim como, na natureza, o homem se privilegia no seu antropocentrismo, na sociedade, o adulto se faz o centro de tudo, restando à criança, de modo subjacente, apenas teoricamente fazer parte dela.
Essas formas de dominação omitem a criança da viva constituição social, o que reflete injustiças, culminando no mau trato e no abandono à criança. Tanto é assim que a Filosofia e a crescente Sociologia da Infância, como também as exponenciais e instrutivas conferências da Dra Laura Lora, na Universidad de Buenos Aires, nos instruem a fundamentar o Direito sobre os direitos da criança, considerando-a não apenas um mero objeto, mas, como o adulto, também sujeito dos seus direitos. Ninguém, até num avançado estado de demência e agindo por procuração, perde sua condição de sujeito do direito.
Criado pelos adultos, aproxima-se o Dia da Criança que provocará, no cenário familiar, as exigências do presente para se reativar o comércio. Quem deixará de ouvir o filho ou filha a lhes exigir o regalo que a mídia promete? Mesmo, segundo relativo poder aquisitivo, algum bombom será dado. Os meios de comunicação cobrarão fidelidade ao consumismo; estes que pouco conscientizam sobre os direitos da criança muita publicidade farão de brinquedos sofisticados, até de celulares, durante esse datado frenesi consumista. Bom seria que essa mídia que tanto se dedica à cultura infantil do consumo contribuísse mais para a formação de meninos e meninas, enquanto cidadãos, sujeitos dos seus direitos. Certamente, por tudo isso, aos pais e adultos continuam acontecendo as palavras de Oscar Wilde: “As crianças começam por gostar dos pais; quando crescem, julgam-nos; às vezes, perdoam-lhes”.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 06/10/2011
Alterado em 19/10/2011
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