Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


O rio se esconde no mar
 
          Nascendo na Serra de Jabitacá, em Monteiro, o rio Paraíba vive somente em terras paraibanas. Em Guarita, acaricia a bela ponte de ferro inglesa que a maioria dos guias de turismo desconhece. Desce, em seus trezentos e oitenta quilômetros, três níveis de altura, banhando municípios, como Salgado, Itabaiana, Pilar, São Miguel de Taipu e Espírito Santo, cujas comunidades se revoltam contra as negociatas com a desprotegida areia do rio que é vendida, sem escrúpulo, para cidades daqui e de acolá no Estado de Pernambuco. Roubam-lhe o leito à luz do sol, à luz da lua, aos olhos da população, sobre o que soslaiam as autoridades. Os órgãos do meio ambiente sabem? Sabem. Em alguns deles, sem a velocidade das caçambas de areia, correm os autos; noutros, grossos processos, já pesando muitas capas e inúmeras folhas, são procrastinados pela força da maré.
 
          A correnteza do rio é poderosa, derruba pontes, alarga margens,  corta estradas, expulsa barcos, invade ruas, atemorizando os predadores como que lhes avisasse não tentarem interromper o seu curso. Recordo quando menino meus olhos espantados, com medo das águas do Paraíba em Pilar, invadindo o sítio, atrás da minha casa, deixando “as mangueiras somente de pescoço de fora”; também a minha mãe Lia rezando o terço à escuta do velho rádio ABC, pelo qual a Tabajara aumentava o perigo da cheia passando por cima da ponte de Itabaiana, aonde tinha viajado meu pai para a terça-feira de feira. Mesmo a estrada de volta a casa sendo no sentido contrário à ponte, imaginavam-se águas tomando conta de todas as direções, correndo ao encalço dos que fugiam daquelas águas, revoltas no sentido norte.

           A cultura popular proverbia que “contra rio cheio (...) ninguém pode”. Por isso, aproveitam-se da fraqueza do rio, quando, sem força, míngua nos estreitos fios d’água, para retirar-lhe a areia do seu leito, como quem da insegura casa eles levassem o piso ou o colchão da cama. O rio reúne escassas águas e, pelos seus caminhos, continua em direção ao mar. Bem poderia ter nos alertado o poeta Augusto dos Anjos de que, como na árvore, no rio há vidas. Parecendo caça como o animal fugindo do caçador pelos esconderijos da mata, o Paraíba se despede no porto de Cabedelo e, no oceano, se esconde do homem.  É assim que a criança define o rio como sendo toda água que corre para o mar... 

 
 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 11/01/2012
Alterado em 13/01/2012


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