Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


Relatório das Naves do Céu

          Visitei uma comunidade, chamada “Terra”, num “pé de serra” de Goiás bem diferente dos “pés de serra” do nosso interior. Mostrou-me Iveraldo Lucena casas chiques, esotéricas e famílias instruídas; mas, de mãos ásperas por plantarem seu próprio sustento; havia moradas de gente de várias nações; era aqui, mas parecia o estrangeiro. Davam aula aos filhos, evitando as crianças necessitarem das escolas da cidade. Gringos pesquisadores, patrícios professores, uns ourives, outros lapidadores que levavam pedras, prata e ouro, em forma de pulseiras, colares e anéis, às cidades de Brasília e da vizinha Pirenópolis. Dos terraços, viam-se montes e terras planas. Numa delas, destacava-se enorme círculo em terra queimada, arredondado pelo verde da vegetação. Contavam esses colonos que ali descera uma espaçonave alienígena cheia de luz e, como um prato quente, teria queimado a “Terra”, e que em tal mancha nunca mais tinha nascido sinal de vida. Desprevenido, pedi a eles voltar à noite para desfazer uma curiosidade que me persegue, procurando, entre as estrelas, naves descidas do céu. Com olhares de malícia, trataram-me como neófito e, considerando assunto sigiloso, apenas riram de mim...

          Sábado passado, eu e Manuel Jaime, perdidos na cada vez mais rala e escassa mata do Altiplano, procurávamos a casa de Flávio Tavares para vermos sua imensa tela sobre “A Bagaceira”, quando nos deparamos com um enorme círculo, às portas de um condomínio; dessa feita de “cimento queimado”, mas exatamente como o dos alienígenas. Espantado, Jaime perguntou o que era aquilo. Retruquei-lhe que deveria ser para helicópteros. Sobre o que profetizou: “Começam a preparar descida para os carros com asas”.

          Enfim, encontramos a casa. Dentro dela, o cachorro Tarzan, manso, afetuoso ou cansado de proteger o dono; sua hospitaleira esposa Alba; e o pintor descrevendo para Fred Hortêncio e  Márcio a rica aquarela. A quatro metros de altura, pairava uma cadeira suja de tinta, de onde, Flávio continuaria, temendo cair, a pintar nuvens e fumaça do bueiro de um dos engenhos. Havia “kinesis” nas cores, os bois se mexiam nas abundosas “terras de Canaã”, contrapondo-se aos rurícolas famintos e, noutro extremo, ao jumento magro dos retirantes, saídos das cenas de “Aruanda”. Sentado ao centro, José Américo dividia e compunha a obra. Como se faltasse alguma coisa para coroar o dia, apareceu no jardim um belíssimo camaleão; o pintor, de repente, abandonou as visitas para acariciar as tonalidades do verde animal, só desistiu depois das chicotadas lhe dadas pelo rabo do bicho. Se for para ver arte, vale a pena sair de casa.


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Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 02/11/2012
Alterado em 04/11/2012


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