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O Circo da Minha Infância
Era o tempo entre 1952 e 1955; vez ou outra, chegava à cidade um comboio com coisas, bichos, homens, mulheres e crianças. De repente, estendiam enorme lona redonda e estava armado o circo. Meu pai deixava acompanhar o palhaço de pernas de pau, na principal rua de Pilar, hoje, com o nome de José Lins do Rêgo, onde fica o sobrado, então morada de Zezita Matos. O cortejo saía da “Rua da Ponte” até a Cadeia, hoje, Fundação José Lins do Rego, e voltava até a frente da Igreja onde era distribuído ingresso a quem acompanhasse o Palhaço que perguntava por um funil de zinco: “O Circo tá armado?“ Afirmávamos: “Tá, sim, senhor!” Continuava ele: “Hoje tem espetáculo?” Respondíamos: “Tem, sim, senhor! “Às sete horas da noite”? Repetíamos: “Tem, sim, senhor”. Insinuava ele: “E o palhaço , o que é?” Nós: “Ladrão de mulher!” O palhaço gritava: “Arrocha, negrada”. Aí, a gente urrava: “Uuuuu!” Assim ganhávamos a entrada para o espetáculo daquela noite.
O circo só se encenaria por duas horas; pois, às 21:30, o encarregado do motor de energia sinalizava que faltavam trinta minutos para a cidade ficar no escuro, mesmo em dias de circo, de cinema no Mercado ou de Festa da Padroeira; não havia exceção, as luzes se apagavam. Quando as artistas usavam pouca roupa, alguns homens permaneciam nas calçadas discretamente a cochichar à luz da lua...
No outro dia, brincávamos de circo. Atrás da minha casa, havia um depósito de colchões de palha, cujas pilhas atingiam certa altura. O meu número era “o homem que pulava do alto”; subia nos colchões e despencava nos colchões de baixo; Zezita Matos organizava a brincadeira, por isso a chamávamos de “a Dona do Circo”... Minha irmã Marilene e Dinaura irmã de Zezita, filhas do seu Neco, brigavam para protagonizar a “história de amor”; assim intitulávamos a peça teatral do circo. Mas, Zezita punha tudo em harmonia, assegurando a cada um papel no seu Circo, fosse no trapézio de tábua de barril de bacalhau pendurada numa corda, fosse na luta de espada com cabos de vassoura ou Domício cantando “Índia, teus cabelos nos ombros caídos”, imitando o musculoso cantor que arrebentava correntes com o peito. Terminada a semana, havia tristezas com a partida do comboio. Nosso “circo” se apresentava até ao enfado; apenas a “dona do circo” nunca se enfadou, ainda hoje, Zezita, com 50 anos de teatro, continua as “histórias de amor”...
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 06/04/2013
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