Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


A Primeira Missa, de Flávio Tavares

 
          A minha primeira Missa foi em Pilar; a de Flávio Tavares, com certeza, nas alturas do Altiplano, longe do barulho, no sossego do silêncio, para que cada pincelada rezasse sua arte. Depois da de Pilar, tinha visto apenas duas primeiras missas: a de Victor Meireles e a de Candido Portinari. A minha de Pilar se celebrou com hóstia e vinho; as desses grandes pintores, com tela e tinta; a minha com palavras, do “Introibo ad altare Dei” ao “Ite, Missa est”; as deles, com cores no ouro do cálice e da patena, nos bordados dos paramentos, na pele e nos cocares dos índios, no verde das árvores, na verticalidade do azul do céu subindo além do branco das nuvens.      
          As de Meirelles e de Portinari, a céu aberto, sob o voo dos pássaros; a de Flávio, no retiro da oca, sob o teto de palha, de onde as preces ascendem pela abertura circular como a do Pantheon, em Roma, atração apontada pelos guias aos turistas que se perguntam por que não chove por tão imenso buraco, quando, em suas casas, isso acontece pelas pequenas goteiras do telhado.  Ao contrário da do Pantheon, a abertura da oca pintada por Flávio deixa passar aos céus, através da “luminosidade focal” dos raios de prece como aqueles do telhado materializados por luz e poeira, a fé invasora dos colonizadores e a esperança invadida dos nativos. Linda semelhança arquitetônica da cabana indígena de Flávio com a do Pantheon de Agripa, reconstruído pelo imperador Adriano.

          Nas missas de Meireles, Portinari e Flávio, há mãos postas, em atitude de contrição, de arrependimento dos pecados, conforme rezavam, na igreja de Pilar, as mulheres com mantilha e os homens sem chapéu. Em Flávio, sob o sinal imperioso da cruz que atinge até os silvícolas , há também mãos no peito, no coração, rogando calma aos índios, às índias e proteção às armas, aos cavalos, aos estandartes e aos alienígenas senhores da situação que se encontram dentro da oca; quanto aos índios, no lado de fora, expulsos pela inconveniência da nudez, trepam nas árvores, de olhos esbugalhados de curiosidade, apenas com um arco sem flecha, atirando seus olhares ao frade celebrante pelo círculo do panteão das divindades aborígenes, ao ouvirem o tilintar da campainha na consagração e as exclamações de amém dos devotos colonos.  Não era ainda o “reino unido de Portugal, Brasil e Algarves”, mas havia promessa para isso; tudo se benzia, previa-se que a oca seria igreja...
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 22/01/2014
Alterado em 09/02/2014


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