Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


   O dia do voto

          O meu avô João Araújo se vestia de paletó branco e gravata, no dia da eleição. Às vésperas, colocava ritualmente o título de eleitor, sua caneta “Parker”, seu relógio de algibeira e um broche com a insígnia da República em cima da penteadeira da minha avó, como quem preparasse joias que usaria na manhã do outro dia. O dia da eleição era para ele de suma importância, significativo para a vida política. Naquele dia diferente, sua veste para votar contrastava com as dos eleitores que chegavam, em caminhões da usina ou dos carregamentos de cana; a maioria vestida de manipulão, a minoria, de caqui e alguns auxiliares do Capitão de Mato, de mescla, tecido mais caro, até usado, nas horas de trabalho, pelo dono das terras.
          Hoje, sou avô, nesse dia, visto-me condignamente para votar, mas sem o rigor do paletó e gravata do meu avô, e vejo alguns cidadãos da mesma idade, esportivamente, de bermuda e blusa de malha, calçando sapato sem meia ou alpercata. Pelo interior, quase não existem mais os caminhões de eleitores, mas,  alguns fiéis e obedientes “cidadãos” às ordens patronais para sufragar tal candidato... Atualmente, essas ordens imperativas partem de quem dá o emprego ou de quem promete trabalho sem trabalho, apenas com o leve esforço de, no final do mês, receber o dinheiro. Há outros tipos de moeda para a troca do voto: favores, pequenos “favores” ou até atenções “cordiais” da autoridade que vem sendo eleita, ignorando-se as qualidades do candidato e a finalidade para que será escolhido.
          Quando se comemora o Dia das Mães, há quem verbere tal homenagem, dizendo “todo dia é dia da mãe”,  ao manifestar que a mãe poderia receber  esse reconhecimento quotidianamente ou que deveríamos homenageá-la em todos os dias da semana. Diferentemente, o “dia do voto” não consta anualmente no calendário, só acontece quando há eleição, uma vez de quatro em quatro anos. Devemos bem aproveitá-lo, votar na democracia e pelo bem comum, sem motivos outros, comparando e escolhendo o melhor candidato para ser homem público. Depois do dia primeiro de janeiro, se o eleito levar uma vida sem trabalhar, a flanar, é tarde; não haverá tempo para arrependimento, apenas prejuízos para o eleitor e todos nós. Votar no honesto e trabalhador transforma a indesejada vida política. Caso contrário, esperaremos, suportando quatro anos, até acontecer a próxima eleição ou o dia do voto... 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 24/10/2014
Alterado em 24/10/2014


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