Na delação, o justo é inegociável
A delação vem de históricas e remotas circunstâncias, sendo espada, faca , punhal, ou instrumento de corte de dois gumes que, na maioria das vezes, corta só de um lado, sobretudo quando esse "lado" é de onde parte a maior motivação da denúncia. Em se tratando de "denúncia premiada", o prêmio deveria ser unicamente o de fazer o bem a todos, e não, o de fazer o bem a si próprio, o de se livrar da penalidade merecida pelo crime que cometeu. Isso contradiz a Justiça porque o que é justo é inegociável; jamais sujeito a "prêmio". Nietzsche teoriza que há um egoísmo dentro do homem, maior do que o "egoísmo do Estado" e do "da Ciência": O "egoísmo negociante" de cada indivíduo, movido pela ganância e pelo bem individual, apartado do coletivo.
A nação, no dia 21 de abril , comemorará o Dia de Tiradentes, data em que inconfidentes mineiros planejaram libertar-se das garras tributárias da Coroa portuguesa. Os portugueses de então propagaram Tiradentes e companheiros como traidores da pátria; o delator, contratador de estradas e entradas, fazendeiro e proprietário de minas, Joaquim Silvério dos Reis, como herói. A história se inverteu; hoje se ensina Silvério dos Reis como traidor, e Tiradentes, enforcado e esquartejado, como o protótipo do civismo e o mártir da Independência. Silvério dos Reis delatou e foi premiado: Perdão de impostos e dívidas, rica mansão, pensão vitalícia, título de fidalgo, fardão de gala da Casa Real, hábito da ordem de Cristo, e audiências do Regente João, em Lisboa, à custa do erário.
À custa da Justiça, o justo é inegociável para não deixar de ser justo. Enfim, responsáveis pela procura de eventuais culpados, mesmo com sofisticados meios tecnológicos para suas descobertas, acomodam-se , trocando trabalhosa investigação pela palavra fácil e premiada do delator. Contudo, melhor a denúncia por prêmio do que a por inveja, a por vingança e a obtida por tortura...
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 04/03/2016
Alterado em 05/03/2016