No deserto, desejos, amor e sofrimento
Por falta de distribuição ao lado mais ocidental, pouco usufruímos da importante beleza que o cinema russo produz; houve bloqueio como se fosse consequência do macarthismo ou resultado da "guerra fria": "Tudo que vem de lá é nocivo"... Enfim, temor que o cinema se tornasse canal de transmissão ideológica; ora, os filmes, na sua grande maioria, são roteiros também baseados em obras literárias e em temas dos tempos do czarismo... Contudo, ao passar do tempo, também tendo isso como desaparecido, o Cineclube homem de areia nos dá, como em todas as primeiras quartas do mês, nessa quarta-feira vindoura, às 19:30 horas, na Fundação Casa de José Américo, a oportunidade de ver o espetacular filme, de Grigori Chukhrai, O Quadragésimo Primeiro (1956), também conhecido como a "A Guerrilheira".
Outra obra do mesmo diretor e com as mesmas características é a excelente película A balada do soldado (1959). Em O Quadragésimo Primeiro, destaque-se o desempenho dos protagonistas nos papéis de Ansenti Yevsykov, de Vadim Nikolayevich Govokha e da radical Filatovna, severa em cumprir ditames ideológicos, mas apenas invejosa enquanto repara a cor dos belos olhos da moderada Govorkha. Esses personagens, numa heróica demonstração de obstinação, enfrentam o frio e a fome, aventurando-se num mundo desconhecido, simplesmente em prol dos seus ideais.
Cenas das agruras de guerra marcam seus passos nas areias do Deserto de Karakum: o caminho; em direção ao Mar de Aral: o destino. Nessas circunstâncias, o silêncio muito lhes fala. Silencioso, como o mar, o deserto não só causa sede, mas também os concentra numa meditativa e contemplativa solidão, inspirando-lhes um mundo imaginário que se vislumbra além do interminável horizonte, sem fim, desértico, siberiano; quanto mais caminham, mais distante é a chegada; mira-se o horizonte, escondido apenas pelas cortinas de poeira estendidas pelo vento, ao soprar a fina areia. Seguindo admirável roteiro, a simplicidade rege a arte desse imperdível filme. Ver-se-á que Filatovna nada perde de vista, nem mesmo quando mira, com o fusil, seu quadragésimo inimigo...
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 01/10/2017
Alterado em 01/10/2017