Antes viver do que morrer
Não dá gosto ser enterrado no Senhor da Boa Sentença, lá não está sendo uma cidade boa para se viver. No Dia de Finados, escutei do povo vivo reiteradas reclamações, enquanto se manifestava pesar pelo povo morto. Sujeira nas vielas, interrompidas por túmulos construídos no caminho. Dentro, um labirinto; fora, um mercado persa. Túmulos sem segredo, mostrando ossos, como nos filmes mal-assombrados. Baratas no piso, rachado pelas raízes das árvores. Tumbas abandonadas, sem proprietários que prezem seus mortos. Há corrução, furto de flores vendidas várias vezes, andando de jarro em jarro. Os mortos, por pouco, não se revoltam, deixando de lado o seu rezado descanso. Nem parece cidade, talvez um distrito maltratado. Contudo para depois o Dies irae, dies illae!
Trabalhei como jardineiro, nas férias de 1967, no cemitério de Krefeld, na Alemanha, cidade do tamanho de Campina Grande. Que “campo santo”! Lindo e organizado, construído em cinco hectares, cuidados por 87 servidores. Bem ajardinado, com crematório, confortáveis salões para velório, lanchonetes e até bons restaurantes instalados nas adjacências, para, segundo o costume cultural da família enlutada oferecer refeição aos acompanhantes do velório e do féretro. Também havia casais de namorados, crianças, pais que passeavam ou liam, sentados nos jardins, como se estivessem numa prazerosa praça.
Aqui, ao contrário dessas lembranças, dá pena ver tanto desprezo ao nosso maior cemitério. E ele que é um dos monumentos da nossa história política e social, nosso Panthéon, onde estão sepultados paraibanos ilustres, políticos de renome nacional. Mede-se a grandeza de uma sociedade também pelo respeito e carinho dedicados aos seus mortos. Falam-se de outras prioridades. E, com isso, levam vantagem os vivos que não exigem algum benefício à memória dos seus mortos. Uma flor surgirá naquele asfalto ou em qualquer parte daquela terra. Também rogo que não se interprete literalmente o evangélico ditado de abandono às coisas passageiras: deixai que os mortos enterrem seus mortos. Porque a valorização dos vivos está no respeito que eles dedicam aos seus mortos...
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 02/11/2018
Alterado em 03/11/2018