Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                                Adulterações da República

          Foi assim que os senadores derrubaram Júlio César, taxando-o de rei, no final do período republicano de Roma Antiga: “Ele quer ser rei”; odiosamente contrapondo-o à figura de um chefe de Estado democrático ou de um líder na forma oposta à monarquia e arbitrária, quando a “res publica” já vinha sendo fruto depurado das experiências da então vida pública. Pelo boato, de ouvido a ouvido, como se fosse o “fake-news” de hoje, tentaram desmanchar o prestígio popular de Júlio César até se atingir o ódio para assassiná-lo em Sessão do Senado, tratando-o como “não republicano”. Cultivaram o ódio, armaram-se, e César, apunhalado por quase todos, surpreendeu-se com o golpe dado pelo próprio “filho adotivo”: “Até tu, Brutus”?
          Da histórica lição, resta-nos que alegaram como motivo da morte ele tentar deixar de ser republicano; a outra é a de que a “mentira política” é extrema e duplamente degradante: a quem a pratica e a quem é vítima dela. Depois de maquinada, divulgada aos quatro ventos, dá trabalho a ser desfeita, talvez diminuída, se a verdade contrária for imensamente maior do que a mentira propalada. César galgou os degraus do sucesso político graças aos seus propósitos populares e republicanos. Não é por menos que, nos dias de hoje, poucos bons políticos definem seus compromissos com o povo como sendo caminhos a um Estado republicano: acabar a política a serviço de um e esse um, a de poucos, para muitos se dedicarem a serviço de todos.
         Simplesmente a República é apurada consequência da “politeia” grega, dos tempos da República do filósofo Platão e definida pelo romano Cícero como desejo do povo, em conformidade com o bom senso garantido pela Justiça, como lei comum, para que se plenifique, política e republicanamente, o Bem Comum, tão dito ser a finalidade da política por Tomás de Aquino e dever cristão, pelas encíclicas da Igreja. Não basta dizer que houve a “república romana”; que se chegou à “République” da Revolução Francesa; tampouco que o “commonwealth” idealizou o fim da tirania, proclamando democracia, direitos humanos, livre comércio sem boicotes e paz mundial; ainda, que a “Republik” deu fim aos “reichs” germânicos. Mas que, entre nós, além da sua proclamação, há a República e que seja ela nacionalmente brasileira.
          A República, proclamada no nosso país, deveria ou deverá continuar como “república”, assim como ela é conceituada na França, na China, nos Estados Unidos, no México, Bolívia, Venezuela ou na Alemanha; no que ela tem de comum, como se herdasse substancialmente as qualidades e as características da sua origem.  Contudo, conforme o relativismo cultural e instrucional de cada povo, ela sofre adulterações, distanciando-se da sua verdadeira definição, que é, segundo o romano Cícero, constituída invariavelmente de três elementos: o povo; interesses consensuais, como acontecessem numa comunidade; e respeito ao direito de cada um e ao direito coletivo. Quanto mais a república for representação coletiva mais ela será república. Tudo dela depende muito do povo que a tem como forma de governo. Herbert Spencer a classifica como a forma política mais elevada, o que requer também o tipo mais alto de “natureza humana”, educada, instruída e que se destaque, dentre outras nações que ainda não alcançaram esse nível. Por aqui, quando se comemora o Dia da República e se verifica tantas indecências políticas, recordo as palavras do grande pregador Padre Antônio Vieira: “Dizem que os que governam são espelho da república; não é assim, senão ao contrário. A república é o espelho dos que a governam.”

            
 
 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 14/11/2019
Alterado em 15/11/2019


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