Festival, quilombos e quilombolas
O quilombo é um território sagrado pelo sangue dos mártires, campo da cultura e dos ancestrais quilombolas. Orgulhosamente, na Paraíba, desde que os portugueses vieram dominar as terras indígenas com as primeiras expedições à Capitania de Pernambuco, iniciaram-se comunidades da população africana, e assim formaram, fugindo da exploração da mão de obra escrava, a lugares de esconderijo, por trás ou no topo das montanhas, aonde se teria difícil acesso. Cerca de mais de três dezenas dessas comunidades quilombolas ainda existem, onde se preservam costumes, hábitos e tradição, tais quais aprenderam dos seus pais, e assim foram endoculturadas, desde suas origens. Foram trazidas a essa terra e se defenderam com muita resistência. Conforme homilia do então arcebispo quilombola da Paraíba, Dom José Maria Pires, no dia 22 de novembro de 1981, considerando-se um afrodescendente, relembrou que a libertação desse povo foi fruto de “muita combatividade de nossos antepassados”; e, ao falar em Palmares a quilombos de todo o Brasil, ali então congregados, também assim se expressou, referindo-se aos tempos da perseguição: “Chegou o tempo de tanto sangue ser semente, e de tanta semente germinar...”
Os indivíduos se vão, os grupos sociais se renovam, mas sempre restam pessoas, como Zumbi dos Palmares, como vultos e personalidades marcantes. Mas, muito mais marcante, que sobrevive, como se fosse num continuum, é a cultura desses grupos étnicos, sendo até esteio dessas heroicas personalidades. Nesse sentido, o Plano de Cultura do Governo de Estado de João Azevêdo interioriza suas metas, ressaltando “o resgate e a valorização das culturas indígena, cigana e quilombola”. Quanto aos ciganos, já ocorreu, nos meados do ano, em Sousa, o Festival da Cultura Cigana; quanto aos indígenas, já aconteceram várias reuniões preparatórias ao Festival da Cultura Indígena, previsto para o primeiro semestre de 2020; e quanto à cultura afrodescendente, exatamente agora, de 19 a 24 de novembro, realiza-se o 1º Festival de Cultura Quilombola, em Alagoa Grande, precisamente no Quilombo Caiana dos Crioulos, onde se encontram reunidos doze quilombos, vindos doutros municípios, o que terá seu auge, exatamente hoje, 24 de novembro, das 8 às 19 horas. Em 2020, faremos o Festival com os quilombos do sertão.
Em conversa com quilombolas do Quilombo do Bonfim (Areia); do Quilombo Mundo Novo (Areia); do Quilombo Pedra D’Água (Ingá); do Quilombo do Grilo (Riachão do Bacamarte); do Quilombo do Matias (Serra Redonda); do Quilombo do Matão (Gurinhém); do Quilombo Cruz da Menina (Dona Inês); do Quilombo do Ipiranga (Conde); do Quilombo de Gurugi (Conde); do Quilombo de Mituaçu (Conde); do Quilombo Urbano Paratibe (João Pessoa); e, principalmente com o Quilombo Afro Caiana dos Crioulos (Alagoa Grande), os gerentes da Secretaria de Estado da Cultura aprenderam um outro e rico estilo de festival: um festival sem palco, mas com amplo salão ou com cultural terreiro, onde a cultura não se apresenta como espetáculo, mas se vivencia, através de músicas, danças, cantos, corais, peças teatrais, artesanato, oficinas; e todos se alimentando, do café ao jantar, com uma genuína gastronomia afrodescendente. Não será um show tradicional e costumeiro como se vê por aí. Imagine-se, caro leitor ou prezada leitora, de mãos dadas, dançando ciranda ou coco de roda, com os protagonistas dessa jucunda festa.
É o esplendor da cultura que se enraizou na nossa cultura brasileira, nordestina ou paraibana, que, ao ser definida, confunde-se, nesse mélange étnico e cultural com a do rico continente africano. Os quilombos surgiram como refúgios, como esconderijos, repito, de difícil acesso, mas que, hoje, ao contrário, sejam espaços para festivais da sua genuína cultura e, cada vez mais, de fácil acesso.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 22/11/2019