Sivuca, de Itabaiana a Recife
Muitas vezes, na vida, Sivuca atravessou o Rio Paraíba, saindo do distrito de Campo Grande à cidade de Itabaiana. O distrito é bem próximo, pequeno, também tem uma parte dele que se chama Pernambuquinho, terra onde nasceu esse grande astro da música brasileira: Severino Dias de Oliveira. Na cidade, em cada esquina, encontram-se parentes de Sivuca, mas quase nunca Oliveira, sempre os que se chamam Almeida, porque o pai, ‘seu’ Zé de Tió, no cartório e no batistério, só ditou o nome paterno para os filhos, do que, ainda hoje, reclamam os legítimos primos Almeida, como Valdo Enxuto, Osmar de Isaías, Orlando e Fátima de Porfírio.
Pernambuquinho significa a geografia de Itabaiana, como cidade fronteiriça com alguns municípios de Pernambuco, inclusive os que possuem estradas para nos levar à belíssima e à frigidíssima Serra do Pirauá. Itabaiana muito se influenciou dessa vizinhança. Os desportistas, exaltados, dividiam-se entre o Santa Cruz, o Náutico e o Sport de Recife. Tal realidade durou, por muito tempo, sendo ela mais perto de Itabaiana do que as coisas de João Pessoa. Se João Pessoa disputava o comércio com a paraibana Campina Grande, Itabaiana assim fazia com Timbaúba, cidade pernambucana, que oferecia internatos para a juventude conterrânea de Sivuca: O Colégio Timbaubense, onde estudaram Ivan Ramos Cavalcanti, da Academia Paraibana de Ciência da Administração, e Vavá da Luz, hoje, Secretário de Esportes e Turismo de Ingá, e também imortal da Academia de Cordel do Vale do Paraíba. Em companhia desses dois, ainda eram estudantes em Timbúba o Professor Gilvan Cabral, parente do meu tio Adonias Cabral, por sinal nascido e criado nos limites entre També (Pe) e Pedras de Fogo (Pb), e o amigo de infância Luiz Fernando Tavares. Atendendo à procura feminina, havia o internato do Colégio Santa Maria, das freiras, em que estudaram muitas moças itabaianenses, como é o caso das intelectuais Socorro Araújo, filha da amada Hilda Duré, e Leda Dias, que, como Luiz Fernando, é irmã do atual Prefeito de Itabaiana, Dr. Lúcio Tavares.
Vindo de Campina Grande para Recife, passavam por Itabaiana ônibus da Bonfim e da Real, quase a cada hora. Sem contar as passagens do trem, que se arrastava do sertão a Pernambuco, alimentando sua Maria Fumaça, no Triângulo, em Itabaiana , onde também se redirecionavam seus comboios. É como Itabaiana tivesse duas estações de trem. Os jornais mais lidos, as rádios mais escutadas eram de Recife. Com tais influências, aos quinze anos, Sivuca procurou o “seu PRA8” (assim se dirigiu ao Diretor), da Rádio Clube de Pernambuco, para mostrar suas habilidades no acordeom, a capacidade dos seus extraordinários ouvidos à música e sobretudo sua competente e inquieta genialidade. Quando Sivuca então se apresentava nessa Rádio, toda a Itabaiana parava para ouvir o filho da terra. E, depois, em 1948, já contratado na Rádio Jornal do Commércio, quando vinha o estribilho “Pernambuco falando para o mundo”, replicavam os "bairristas" : “E prá Itabaiana também”. Daí dizer que, consequentemente, o grande salto de Sivuca foi de Itabaiana a Recife; em seguida ao Rio de Janeiro, onde multiplicou a sua fama, pelo país afora. Dizia Getúlio Vargas: "Quando o Rio de Janeiro fala, todo o Brasil ouve". A partir de então, veio sua internacionalização, Sivuca demonstrando à França, à Alemanha, à Bélgica,à Suiça, à Italia e aos Estados Unidos que também era exímio em vários instrumentos. Arte que fazia também o seu irmão Josué, com o violão, nos tempos de Prefeito de Itabaiana e também de boemia no Gruta Azul.
Quando adolescente, desfrutei das visitas de Sivuca à loja comercial do meu pai. Talvez tenha sido por isso que, quando voltei, em 1970, dos meus quatro anos de Itália, no dia da chegada, já quase madrugada, fui acordado pelo acordeom do amigo, no terraço da minha casa, em Itabaiana, na Rua Floriano Peixoto, 99, do Alto dos Currais. O então Prefeito Alceu Almeida, da família de Sivuca, surpreendeu-nos, iluminando-nos com dezenas de gambiarra. Isso já era arte de Inácio, explicou Sivuca. Emocionei-me, pela segunda vez, num espetáculo, quando morava em Brasília, no Clube do Chorinho (1994), Sivuca assim me distinguindo: “Vejo e homenageio a ilustre presença do meu conterrâneo Damião Ramos Cavalcanti, filho do querido amigo Inácio.” Enfim, na sua Missa de Sétimo Dia, Glorinha Gadelha me deu a graça, pedindo-me para falar. Então, li este meu poema, que tinha escrito no guardanapo do almoço: SIVUCA - Tão albino e tão alvo! A candura de Sivuca, como a nota lá no alto, subiu depois das nuvens e os céus enterneceu. Ofuscado pelo brilho, acariciava com a mão seus cabelos cor de milho; e assim se despedindo dos acordes do Sertão. Choram em sol aqui os homens, cantam em si anjos de Deus, soa Scala sem um sopro, santa arte aplaude em dobro sempre os bis que concedeu. Sivuca não morreu. Foi tão bom, ele mudou-se, da cidade aqui dos homens à cidade lá de Deus. E assim voou na música, fez-se parte da orquestra, vestido em branca túnica, quis o Pai, à sua destra, o artista que é Sivuca.
DESTAQUE: Sivuca não morreu. Foi tão bom, ele mudou-se, da cidade aqui dos homens à cidade lá de Deus. E assim voou na música, fez-se parte da orquestra, vestido em branca túnica, quis o Pai, à sua destra, o artista que é Sivuca.
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 21/05/2020
Alterado em 31/05/2020