Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                            Não esquecer nossos mortos

          Quando morrem os conhecidos, sobretudo se são amigos, costumo não retirá-los da relação telefônica, é como se fosse, de modo mais generalizado, uma permanente relação dos que conversam comigo, às vezes, até quotidianamente. Mantenho-os na agenda, no celular. Os  que se foram estão comigo, vivíssimos, no WhatsApp, com fotografias, vídeos e tudo, inclusive críticas deles próprios aos mais perversos fake news. Comprei até um telefone com maior quantidade de gigabytes, para não me obrigar a apagar nomes e números. Isso é reflexo de que gostaria de continuar me comunicando com eles, com elas. Cito-os assim, no masculino e no feminino, mas, admito que, como teologicamente os anjos não têm sexo, os espíritos também seriam iguais, até não se preocupando com a querela sobre gênero.
          Há inúmeras doutrinas, filosóficas ou religiosas, que animam os finados nos seus espíritos. Não sou fiel seguidor dessas seitas, mas,  a essa parte eu dou fé, admiro a sensibilidade de quem facilmente se entende com os espíritos, fundamentando que a comunicação é salutar com os mortos e, especialmente, com os vivos, o que, com a praga do individualismo, provocado pelo celular, vem muito escasseando. Daí, para suprir essa lacuna, conversar com os espíritos é mais fácil. Eles não se preocupam com o espaço, em forma etérea,  são mais velozes  do que o som e a luz, ubíquos. Para o leitor conversar com seus entes queridos, que vagueiam também em outras galáxias, basta amá-los; ter vontade disso; concentrar-se e  querer com muita força o reencontro. Os Evangelhos nos inspiram a isso: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mateus 18:20), disse Jesus Crucificado e Ressuscitado... Creio que essa graça pode ser estendida, indulgentemente, a todos nós.
          Esse recente último Dia de Finados se atrapalhou, com o isolamento, causado pela covid - 19. Isso em relação aos vivos, porque os mortos não se contaminam, por natureza, são imunes ao vírus. Mas, os raros visitantes dos seus entes, nos cemitérios, foram vistos pelos seus ali sepultados, quando os espíritos notaram os que não os visitaram... Alguns deles foram vistos em reportagem da TV, concentrados, balbuciando. Não sei se estavam rezando ou conversando com seus mortos, é possível. E os mortos, de espíritos vivíssimos , calmos e espertos, com menores dificuldades, espiavam seus visitantes. Esse tipo de diálogo se reveste de venturosas perspectivas, pois os mortos têm mais experiência dos que os vivos, por já terem morrido , e nós não experimentamos ainda a morte. Também, o conhecimento dos espíritos não sofre limites do físico, eles são metafísicos... Têm também o tempo todo para conversar, sem precisarem de celular que se enchem, a cada segundo, de tolices e fake news.
           Costumo também remeter minhas crônicas semanais a vários destinatários, amigos e amigas, através do WhatsApp. Acontecem, como atos automáticos a todos que estão listados, eles  agradecem e comentam o que foi escrito, o que constitui para mim um estímulo a escrever. E dentre esses destinatários, estão os grandes amigos que já se foram e que pediam minhas crônicas, a exemplo de Antônio de Souza Sobrinho, Roosewelt Vita e Iveraldo Lucena. Ainda não escreveram resposta, tampouco psicografada, como  é possível e mais fácil conversar com eles. Não se espantem se a prezada escritora Ana Adelaide, com certeza, não tenha apagado da sua agenda seu querido companheiro e, vez ou outra,  enviado ao amado Júlio Rafael seus lindos e poéticos textos. 


 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 06/11/2020
Alterado em 06/11/2020


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