Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


              Gumercindo Rodriguez, integridade e ternura
         
          Mais uma morte que nos faz refletir sobre a morte e também sobre a vida. A alma de Antonio Gumercindo não será uma sombra, que vagará sem alguma substância, mas com o espírito de consistência metafísica. Diante do seu corpo, como prometeu Janete, sua esposa, abraçada por seus filhos Carlos André, Daniel e Luciana Rodriguez, ele não se perderá no silêncio da casa ou no esquecimento da família, mas ouvir-se-á a eloquência da sua presença. O espírito dos bem-aventurados, na imensa polissemia do logos, assegura-nos razão, palavra, diálogo, entre aqueles que o amam. Afinal, ao morrermos, Deus não nos esconde dos vivos, deixa-nos como exemplos, se formos bons frutos, das boas árvores.  
          Não existe amor morto, se provém do Amor Maior. Pode até afastar-se, como se fosse um exílio, conforme imagem de Lou Andreas-Salomé, mas permanece à memória dos que o conheceram, compreenderam-no e o amaram para sempre. Houve tristeza, sim, na hora da sua morte. Mas, como medir a tristeza em comparação com a alegria que ele nos proporcionou? Da alegria de agora, que acontecerá nas suas lembranças, conclui-se que, nas variações das circunstâncias, a tristeza e a alegria são inseparáveis, quanto às motivações que nos causam o sentimento da tristeza ou da alegria. No Intervalo Onírico, o autor poeta Daniel Lima assim se expressa: “As lágrimas estão sempre à beirinha dos olhos, ainda mesmo quando se está alegre”.
          Ainda balbuciando preces e orações pela sua saúde, de repente, a dor do seu falecimento se apoderou de todos nós, seus amigos e amigas, levando-nos à profunda tristeza. Nessas ocasiões como fugir dessa triste experiência? É inevitável que a perda e a falta não provoquem tristezas pelas estradas da vida. Parece ser inevitável também que a tristeza e a alegria se alternem, como sombras, lado a lado, companheiras do nosso caminho. Já sentimos o indesejável, no súbito pensamento da sua ausência, da sua falta, agora resta-nos sermos, in memoriam, invadidos pela beleza da sua pessoa, da sua vida. Gumercindo não nos faltará, haverá euforia dos nossos espíritos, numa comunhão de almas, como se fosse numa só sintonia com o resto do mundo e com a vida. Basta olhar o mar. Nessa última terça-feira (15/02/2022), Janete, Luciana, Daniel e André cumpriram seu penúltimo desejo: “Quando eu morrer, lancem minhas cinzas, em frente ao Farol de Cabedelo, nas águas do mar”; sucede assim uma integração cósmica para que ele admire, todos os dias, o esplendor do mar e a música das suas ondas.  Há nisso tal sintonia cósmica, anímica, alegre, que é também anestesia da dor e alívio do duro fardo da nossa limitada existência e da coexistência da vida com a morte. Ele veio das águas e às águas preferiu retornar...
          Cidinho era a simplicidade que lhe atraía crianças, especialmente seus netos, aos quais retribuía com bombons e chocolates, especialmente no costume baiano do seu pai Serafim Martinez, ao comemorar o dia 27 de setembro, festa de São Cosme e Damião. Também demonstrava, nas harmoniosas palavras e gestos, sua generosa bondade. Nessa sociedade de violência, admoestava: “ainda se acredita na bondade humana”. Definia em ação essa bondade, no cativo das suas preciosas amizades, das quais tive a graça de desfrutar, inclusive como comentador exímio da minha gestão pública e das minhas crônicas. Nós não sofremos mais ao perder uma coisa, quando definitivamente nos certificamos que a perdemos, sem mais esperança de encontrá-la. Contudo, quanto a essa bem amada pessoa, íntegra e terna, ela não se perdeu; vem e volta, bem mais rápido do que um meteoro; retorna através das suas lembranças, encontrando e reencontrando conosco, como se ele retivesse consigo todos aqueles que continuam a amá-lo, ensinando-lhes integridade e ternura.  


 

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 16/02/2022
Alterado em 16/02/2022


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