Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                         

                        Aves de Arribação, de Marcos Pinto
 

            O amor do artista à sua obra é o que faz a beleza da sua obra. Não há um outro motivo, mesmo o mais interesseiro ou de ordem financeira, que tanto estimule seus sentimentos. Isso também ocorre a outros trabalhos profissionais, quem ama seu trabalho opera beleza... Todavia, nenhuma outra causa supera o prazer do artista pela sua arte. Foi o que despertou “gratidão” em Marcos Pinto, aos que deram bom trato e xerém às suas Aves de Arribação.
          Todas as vezes que passava pela subida do Altiplano, despertavam em mim as imagens dos caçadores que, depois de muitos tiros de espingarda, acertavam bolinhas de chumbo nas arribaçãs, que passeavam, de graveto em graveto, de galho em galho, pelas matas secas de Guarita. Enchiam os bornais e desfilavam na avenida principal de Itabaiana, como se carregassem, ostensivamente, seus troféus, que tinham encomendas certa
s: vendas, bodegas e bares para fritarem essas caças, como tira-gosto de cervejas ou de cachaças. Fora os nossos sentimentos, não existiam, como hoje, proibições e discursos de proteção à natureza, tampouco legislação que considerasse crime aprisionar e matar pássaros ou aves em extinção.
          As Aves de Arribação, de Marcos Pinto, de repente, foram retiradas do seu ninho, sob a alegação ou pretexto de uma reforma naquele logradouro público, com promessa de devolução. Eis aí como prenderam o que para mim e para tantos tinha vida, esvoaçante, e que alimentava a memória dos pássaros das nossas infâncias. Tudo se encerrou num alçapão, que foi guardado, ou melhor, desprezado num depósito de uma repartição municipal. Mas o destino dessas Aves se encontrava no amor do artista à sua obra e na admiração que ela alimentava em todos nós, especialmente os então transeuntes de bom gosto. Se era beleza, bem público para logradouro público, por que escondê-la, num depósito escuro e desconhecido? Ora, todas as arribadas têm seus impulsos naturais, sazonais... 
          Inquietado por não mais ter visto essas Aves, João Azevêdo indagou por onde elas estariam voando. Foi informado de quem isso saberia: o artista desse trabalho, Marcos Pinto. Foi daí que ele teve a iniciativa de abordar, junto ao atual Prefeito Cícero Lucena, o retorno das arribaçãs para enfeitar nossas praças. Aconteceram boas iniciativas e ações de “mãos duplas”: foi entregue à responsabilidade do Governo do Estado, que as colocou numa praça da sua administração: Parque Paraíba III, no Bessa. Exultando pelo feito, o artista Marcos Pinto manifestou sua gratidão ao Governador, que foi feliz, também em suas justificadas palavras: “Devolvida a sua obra à cidade. Correção da injustiça que vinha ocorrendo contra as artes, contra o autor da obra e contra todos nós, que tínhamos na beleza das Aves de Arribação uma referência. Como reconhece você, Marcos, tudo tem seu tempo. Eis aí sua obra, melhor instalada e mais bela, continuando a reescrever seu voo”. Haverá voo, amanhã, dia 5, às 18:30, no “Encontro a favor da paz”, onde e quando formar-se-á um coletivo abraço em torno das Aves de Arribação, de Marcos Pinto. Essas aves, cumprindo seu destino, ganharão os céus e sempre logo retornarão ao seu ninho.
          Queríamos sempre rever a beleza dessas Aves, das suas asas ao alçarem alturas, cumprindo-se assim o desejo do belo. Agora o que se quer é possível. E como disse o poeta, meu ex-professor e mestre Daniel Lima, “a beleza foi o jeito que a verdade encontrou de se fazer mais querida”. 

        

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 03/03/2022
Alterado em 04/03/2022


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