Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                                      Bredo fora de época
 

          Vi na TV, muito bredo dentro da época, carreta lotada, descarregando para outros caminhões e carroças de feirantes, ao lado do Mercado São José, em Recife, quando ouvia a notícia de que o povo daquela grande cidade iria comer, na sexta-feira santa, muito mais do que aquela enorme carga. Boa notícia. Em seguida, acompanhei a reportagem sobre várias plantações de bredo, havendo uma superprodução. Há muito tempo, sou militante para que a nossa cultura alimentar coma bredo e adote essa amarantácea na mesa do quotidiano. Já me prometi, em outros textos, que vou morrer escrevendo sobre o bredo, que como desde os tempos de criança. Era colhido, em Pilar, a começar do quintal até a última cerca do sítio, que beirava o rio Paraíba.
          Entristeço-me quando, ao se falar dele, haja pessoas que o ignorem e perguntem o que é bredo. Não demoro a responder. O bredo vem do grego, blíton. E de tão bom, os romanos latinizaram tal palavra para blítum, que, por sua vez, foi trazido para cá pelos portugueses, até chegar ao nosso interior, com o nome de bredo. Mesmo originário da Europa, como seu similar, o espinafre, vindo da Ásia. Comi dos dois, comparando-os. Esse segundo tem gosto amargo, enquanto o bredo, muito mais perto de mim, é delicioso, simpático, com singelas pequenas flores que enfeitam até o jardim. É prato da nossa tradição, como se fosse verdura da nossa cozinha, fácil de ser da nossa mesa, como era a receita da inesquecível mãe Lia, especialmente para comermos a desejada peixada ao molho de coco, religiosamente na sexta-feira santa, ao lado do famoso feijão de coco. Mas, tão bom que se pode comê-lo, sem enjoo, em qualquer dia, até em almoço de aniversário.
          Fazíamos o ritual para colher o bredo. Depois destacar as folhas do caule que poderia ser replantado. Rescaldadas por oito minutos, reservavam-se as folhas numa peneira, para Dona Lia refogá-las no azeite, com cebola picada, alho e três tomates maduros, sal e pimenta do reino a gosto. No final, meia xícara de coentro picado, mas já com duas xícaras de molho de coco, espremido na mão, porque também para ser mais apurado e melhor, não havia liquidificador... Depois, tudo era levado ao lume, durante uns quinze minutos. Também o delicioso feijão de coco poderia ser receita, permanentemente no cardápio de qualquer bom restaurante.
          Estranho e lamento que o bredo e o feijão de coco não sejam mais frequentes na nossa cozinha popular e também nas mesas mais requintadas. Já o espinafre recebe escolha mais refinada. Propagado pelos americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, pelo “super-marinheiro” Popeye, que ao ingerir uma lata de espinafre, de repente, ganhava grandes muques para defender a namorada Olivia Palito, das investidas e enxerimentos do musculoso marujo Brutus. Tornou-se assim o espinafre oferta das feiras livres e dos supermercados. Porém o bredo, devendo ser do nosso quotidiano, é bem melhor. São folhas mais ricas em cálcio, em fósforo e ferro, além de apreciável quantidade de vitaminas C e B. Cem gramas de bredo equivalem a 42 calorias. O bredo poderia ser cultivado, durante todas as estações do ano, e assim o comeríamos não apenas durante a Semana Santa. Plantemos o bredo, com ajuda d’água, facilmente para tê-lo, inclusive, em todas as festas. Bredo podemos plantar, das brenhas aos campos.

 

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 04/05/2022
Alterado em 04/05/2022


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