Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                         Biliu de Campina e de todos nós

          Ontem, no Festival São João na Rede, realizado pelo Governo do Estado, em caravana pelo interior afora, em doze municípios paraibanos, numa linda noite de Pocinhos, ele parecia um elegante matuto de chapéu preto, mas tão bem vestido como um lord. Era Biliu de Campina, todo a rigor, numa distinta indumentária, admirada pela mademoiselle Gorgônio. Diziam os comentários que ele se mostrava, em tom solene, como se estivesse se despedindo da sua longa vida artística, ou estaria fazendo o penúltimo ou o antepenúltimo show da sua excelente trajetória. O show estava mais bonito do que a roupa. Quem não se maravilha vendo Biliu, cantando e sapateando Jackson do Pandeiro, ao estilo de Parrá? Seus trajes diziam tudo, um impecável e longo blazer preto, daqueles que protegem do frio em Campina Grande, no alto da Serra da Borborema, ou nas cidades serranas. Quem escuta Biliu em outras tiradas, conclui que ele é um pensador.
          Em todo show do interior, há dois ou quatro bêbados, dançando sozinhos, somente eles com um copo ou uma garrafa na mão, bem ao pé do palco, nada comem, só alegria. Os casais, que também bailam, driblam esses inconvenientes atrapalhos, como o som que, às vezes, dá um apito de microfonia, assustando até o cantor. Tirando isso, o forró é bom demais, sob centenas bandeirolas de São João, também em barracas ao longo da rua, servindo gostosas iguarias juninas e ótimas cachaças brejeiras. As vestes eram as mais variadas, mas sobretudo, como agora, de predominância junina. Aqui e acolá uma mulher com uma flor de crepe no cabelo, de preferência vermelha. Mas ninguém tão bem vestido como Biliu, em pura simplicidade e elegância, contrastando com sua branca barba.
          Depois de muito cantar e sapatear, Biliu passava a batuta ao seu filho Felipe, vozeirão melodioso que continuava o espetáculo e liderava animando a noitada. Tudo muito promissor: quando Biliu desejar o seu merecido tempo para ser mais público do que palco, seu herdeiro saberá muito bem continuar. Com certeza Felipe já conhece o seu papel à preservação que o Forró de Raiz lhe atribui. E o seu pai compreende os valores e os gostos estéticos do filho que admira o rock, mas não vira a cabeça, ama a cultura do nordeste e a sua música; assim se veste, retratando-se no chapéu de couro, no gibão e pelo que sai amplificado da sua boca.
          Parafraseando Marcel Proust, Biliu é apenas um adolescente que vem vivendo demais, em cujo infatigável corpo, mente e ânimo, há o que desejamos: a continuidade da nossa cultura musical. Nessa festa, corria através da multidão, nas mãos de Joana, o papel que colhia assinaturas, para que o forró, além de nacional, seja patrimônio internacional. Assim, dentre as outras onze festas acontecendo na Paraíba, tamanha festa aconteceu em Pocinhos do bispo intelectual Dom Manuel Pereira, do Monsenhor Lisboa e do Padre Galvão, quando, após rezas e pregões, também como seus rebanhos, amavam a boa música, o forró autêntico, esta cultura de raiz. Nossas reverências a Biliu de Campina e de todos nós, ícone da tradição do Coco de Roda e do forró. Se a cultura nos é necessária e nos identifica, agradeçamos a quem a cultiva.
         

 

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 16/06/2022
Alterado em 17/06/2022


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