Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                                     
                 O Carnaval de antigamente

 

           Dizem os mais antigos que o carnaval de antigamente é que era bom. Aliás, eles falando, pelo andar da carruagem, quase tudo de antigamente era melhor, inclusive eles próprios... As moças bonitas pouco saíam de casa, e só chegavam a ser tocadas, quando no clube, pelas seringadas frias e cheirosas do lança-perfume, conforme a ousadia do enxerimento. Elas se preservavam, em conformidade com os ditames morais, impostos pelos pais, tias e avós, na sua maioria, preparando-se como interessantes e prendadas candidatas ao casamento. Por isso, evitavam essas maiores liberdades; e mesmo com esses limites, os valiosos três dias de carnaval, sem folia antecipada, eram ansiosamente esperados.
          O perigo era menor ou quase inexistente. Hoje, ele ronda para acontecer em qualquer lugar e sobretudo no carnaval, período de “irresponsabilidades” e relaxamento, das coisas fora do costume.  Além de esconder as más intenções, com máscaras e fantasias. Quem mais ousado for, mais chamará atenção ou será mais admirado, descontraído do bom-senso. Se não for assim, então, não será carnaval, parecendo com os europeus, como vi em Roma, crianças e jovens com roupas brilhosas, ainda máscara de Pierrot, diferentemente do quotidiano, entre os adultos que andam em direção ao trabalho. Ora, carnaval exige envolvimento, cobra que todos caiam no passo; os que tocam e os que dançam; aqueles que se enxerem, cantando “hoje é carnaval”, e aqueles que amam, talvez se comprometendo como antigamente. Mas, esqueçam-se as lembranças, e não se leve a sério a esperança.
          O advérbio antigamente goza de várias aplicações, inclusive quando, durante o carnaval, ocorriam as visitas aos familiares, e diante das visitas, com todo o respeito, as crianças dobravam a língua diante dos pais; atualmente, os pais dobram a língua diante dos filhos, mesmo quando eles estejam quebrando louças e cristais. Desapareceram os puxavantes de orelha e os enérgicos carões.
          No carnaval de antigamente, o diacho era suportar os jatos d’água, até de lama, na sua cabeça ou na roupa limpa, preferindo um banho de talco à surpresa de qualquer sujeira. Enfim, dizem os mais antigos que os três dias eram mais animados do que hoje, pois havia rei momo e rainha de verdade. Atualmente triplicamos esses dias e, aos idosos, tudo tem sabor enjoativo. Fiquei a desconfiar que os tempos mudaram e esses avaliadores do carnaval permaneceram no carnaval de então, quando sambas e frevos que se cantavam, nos desfiles ou mesmo nos “corsos”. Corso? Como brincar assim sem gasolina? A verdade é que os pedaços da antiguidade pouco determinam os remotos futuros ou os atuais efêmeros costumes.
          Nesse aspecto, Maquiavel, de antigamente, em Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, II, é de certeira explicação: “Os homens louvam constantemente, mas nem sempre com razão, os tempos antigos e amam o presente; e de tal forma, são partigiani das coisas antigas que celebram as épocas que conhecem (...), graças à memória (...), e estando já idosos, lembram-se de ter visto, na sua mocidade”, coisas que lhes agradaram... Mas aquilo, que se aprendeu e viveu na juventude, antigamente, não é preciso que se viva até os últimos dias da vida, ou nem mesmo nos carnavais de hoje. Aqueles idos carnavais eram de antigamente. 

 

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 17/02/2023
Alterado em 17/02/2023


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