Indiferença, essa nociva doença
Na roça, há manifesto gosto para tudo, mas, discretamente, sem espalhafatar o que se sente, gostam em silêncio, sem ostensivo bla-blá-blá, não se veem os calados amantes, às vistas de todos, constantemente agarrados; no máximo, um ligeiro olhar de soslaio, existindo, mas como nada existisse. As intimidades se resguardam de se fazerem ao público, mas sem barulho, preferencialmente no escuro, sem que alguém perceba. Mesmo quando todos durmam num único quarto da pequena casa, por cujos buracos no telhado ou na parede de reboco passa a discreta Lua, que adormece no chão. Isso não é indiferença! Ao acordarem, não dão “bom dia”, como se fossem dormindo ou acordados uma mesma carne...
Convivem, a exemplo da Natureza, em intensa atenção e relacionamento, pois, a gente simples consente que a indiferença se tem como uma das maiores destruidoras do amor e da amizade, entre nós humanos. Quem é indiferente padece e faz padecer, isola-se, talvez nada sente, sem nada dizer, mata palavras e gestos, manifesta constantemente apatia aos outros e, para si, reservada solidão. Ser indiferente recusa mostrar desejo, sentimento de amor ou talvez de ódio. O indiferente consegue se parecer, em relação aos outros, morto-vivo, confundir a vida com a inércia da morte. Esconde-se de qualquer relacionamento humano. Indiferença, nunca essa nociva doença...
Seria de se perguntar se o indiferente odeia, porque seu comportamento apático se define tão destruidor como a fúria do ódio. Por mais que o ódio ofenda, ele deixa existir alguma brecha à existência do outro, odiando-o. Ninguém odeia sem visar um odiado... No entanto, a indiferença se verifica num absoluto laissez-faire, ou num corriqueiro “tanto faz como tanto fez” àquilo que congrega, que chama à participação, ou a tudo que reviva a existência do outro. Ainda indago: Sentiria o indiferente mágoa, consequente de alguém que o desagradou? Se isso possivelmente ocorre, constata-se uma raridade, porque ele não se ressentiria por qualquer motivo, sendo também indiferente a essas coisas, faria de conta que nada teria acontecido.
Distinga-se, filosoficamente, a ataraxia ou a imperturbabilidade epicurista, que seria o ápice da felicidade, diferente da mórbida indiferença a tudo. A ataraxia, por sua vez, vive o desejo e a paixão, mas com a virtude do equilíbrio. Por outro lado, a constante indiferença não leva em conta a beleza de viver; aos poucos, tudo desaparece, restando uma vida sem sentido, consequentemente sem sentido à nossa existência. Nenhuma palavra sobre o tudo ou sobre o nada; sobre o sim ou sobre o não. Entre nós, comunitariamente, não devemos ser indiferentes, porque a recíproca amabilidade é o que nos faz existir. O excesso de indiferença saqueia o que nós somos e esvazia o indiferente em relação a cada um de nós.
Finalize-se com Jesus Cristo, comparando a indiferença com o sal sem sabor: “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que o salgaremos? Para nada mais serve, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens (Mateus, 5, 13). Livre-nos Deus, para nosso bem e bem-estar dos outros, da indiferença, essa maligna doença. Tal insignificância nos é penosa e causa insatisfação ao indiferente. E também porque a indiferença não se contenta com a própria sorte...
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 19/08/2023
Alterado em 19/08/2023