2023 irreparabile fugit
Lamenta-se constantemente que o tempo passa depressa, quando menos se percebe, o mês já é outro. Na verdade, quem assim observa não acompanha e tampouco valoriza o passar dos instantes. O poeta filósofo e meu ex-professor, Daniel Lima, muito me influenciou em suas reflexões, e uma delas leio com apreço, dentre tantas anotações das suas aulas: “Não cuides nem das horas, nem dos anos, mas dos instantes e do agora apenas. Vive-o todo, como se o único fosse, ou o derradeiro.” Conforme esse cuidado, os instantes de 2023 praticamente se foram, sobram-nos poucos dias, que habitualmente dedicam-se aos relatórios, às prestações de contas, preparação do Natal, e outros poucos assuntos de ordem pessoal que nos comprimem no calendário, e ainda as atenções à entrada de um Ano Novo. Também esses ‘agora’, logo, logo, rapidamente passarão e jamais voltarão, tais quais as águas heraclitianas, em cujo leito do rio, elas só lavam nossos pés uma vez...
Na nossa limitada trajetória, um instante é valioso, e se perdido não se substitui por algum instante do futuro, cada um deles pertence às suas coisas do amanhã, ocupando seus próprios espaços. A relapsia das obrigações, das responsabilidades e até das datas do lazer não se recuperará nos dias seguintes, daí o valor dos instantes no presente. Nesse sentido, resta pouco de 2023, em relação aos nossos compromissos, seria como o quase fim de um picolé que, a gosto ou contragosto, derrete-se irreparabile, desprendendo-se do palito que o sustenta. Por fim, 2023 irreparabile fugit.
O clássico insight do poeta Virgilius, em Geórgicas, III, escreve uma verdade que não envelhece: Fugit irreparabile tempus, ou o tempo, irrecuperavelmente, vai-se, para não mais voltar, pois é um contínuo de novos instantes, talvez oportunizando sínteses de teses e antíteses passadas. Espelho-me na prodigiosa Natureza para assim pensar. O Sol, mesmo endeusado pelos humanos, ao entardecer, vai ao ocaso, fana-se da sua pompa, desaparece na escuridão da noite, tramonta em poucos minutos, e após esse irreversível instante , aguardará um novo instante para reaparecer, quando retornará para se tornar um novo Sol nascente.
A felicidade não segreda que ser feliz compreende em viver plenamente as alegrias dos instantes. Ao contrário, ocorrem tristezas, ao desperdiçarmos, perdulariamente, os instantes que deveriam ser intensamente vivenciados. Volto à crônica anterior, onde se adverte: Carpe diem! Ou seja, o aproveitamento, no bom sentido, de se viver o instante, como ele fosse, e o é, único e passageiro, que não mais terá sequência ou continuidade. Sim, o tempo é um continuum, mas a vida é uma estrada que tem um início e um fim... Não se trata de um destino, mas de uma absoluta certeza: quem vive morre, todos e tudo que nasceram, por naturais e sobrenaturais desígnios.
Para preparar-se ao ano que segue, faz parte conscientizar-se não tanto das horas, dos dias, dos anos, mas do agora, dos instantes. O 2024 terá também seus próprios instantes. Estamos vivos, e o tempo desenha traços e trajetória da nossa existência. Não vale a pena adivinharmos o futuro, se podemos saborear, agora, os instantes.