Melhor viver do que durar
Há os que preferem durar, desejam caminhar além do seu centenário. Há os que preferem viver. Durar ficou para as coisas, como as pedras nas montanhas e rochedos, nas pirâmides, nas muralhas, nas igrejas e esculturas. Quem se dedica à duração termina virando pedra, sem vida e com poucos sentimentos, esquecendo de usar a vida ou melhor não a aproveita para viver. Tampouco seria a duração da qual trata Henri Bergson, ao filosofar a duração, que seria o passar do tempo, de um modo interpenetrado e uno; a durée de momentos temporais, que se somam uns aos outros, tornando-se um todo ou um uno. Nesta crônica, durar é tão somente o que se aplica à coisa que dura, uma duração às coisas que duram, que, na monotonia, apenas acompanha o tempo que passa. Viver e durar parecem antagônicos, enquanto o durar consome o viver e, de certa maneira, viver intensamente diminui a duração... Embora Heráclito, o dialético, num dos seus fragmentos, tenha sido taxativo: “Nada dura, mas muda”...
Viver por excelência significa experimentar o aproveitamento do tempo, orientado e obedecendo fielmente o carpe diem, de que temos falado em outras crônicas. Consciente do tempo que se vai, como se estivéssemos na janela de um trem, em velocidade, deixando para trás tantas e diversas paisagens e coisas, que não se repetem mais na frente. Apenas durar seria fechar os olhos nessa viagem do tempo, tão somente sentindo o barulho dos ferros, das rodas sobre os trilhos, ambos sempre com o mesmo destino. Ou concebendo o fenômeno da duração, que, fragmentada, logo passa. Em si, enquanto tempo, a duração é muito longa, mas se dividida, para medirmos a nossa existência, ela devém muito curta. Enfim, viver revela mais felicidade do que isso.
Na passagem de um ano a outro, viver ou durar poderia se usar como substanciosa reflexão, abrangendo meditação a que dedicamos, com certa exclusividade, o nosso precioso viver, oportunidade de trabalho, que serve para se escapar da família, das amizades e de nós mesmos, deixando essas preciosidades no passado, sem serem vividas. Há pouco tempo, ocorreu o dia 8 de janeiro, com quebradores de vidraças, invasões dos poderes e outros vandalismos, e, de repente, haverá, em 2024, tão proximamente, outro 8 de janeiro, mas dessa vez com a democracia robustamente vencedora. Parece-nos que não vivemos bem a duração daquele dia, de ameaças e acontecimentos tão desagradáveis. Conclui-se que os propósitos não eram benéficos... O desejo do que é prazeroso escreveu o provérbio: “O que é bom dura pouco”; mas não dizem o que é ruim dura pouco, mesmo quando assim acontece, porque, ao contrário do que é bom, o que é ruim é repulsivo...
Viver é realizar aquilo que nos cabe realizar, é falar a linguagem da nossa existência, dando sentido à vida, o que, felizmente, também nos realiza como pessoa. Nessa experiência de viver, ou na duração desse tempo, estamos sempre renovando as possibilidades de ser que moram na nossa consciência e que cogitam o que devemos ser.
Quanto à duração, ela não é certamente preocupação para quem muito já viveu, pois o filósofo e poeta Daniel Lima admoesta que “a velhice consome apenas os que duram; nunca, porém, os que verdadeiramente vivem”. Com certeza, nesse 2024, assim viveremos, e o tempo continuará, ele em si jamais parará de durar.