Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos


                    Biliu, no II Centenário de Jackson do Pandeiro...
 

            Em 2019, instituiu-se pelo Governo do Estado da Paraíba, através da Secretaria de Estado da Cultura, o “Ano Cultural Jackson do Pandeiro”, em comemoração ao centenário de nascimento daquele  que se tornou um dos mais autênticos artistas da Música Popular Brasileira, nascido em 1919, e assim o grande ritmista paraibano completaria 100 anos. Planejou-se um Festival para esse acontecimento e marcando essa celebração, à frente da Rodoviária de João Pessoa, erigiu-se um monumento de quatro metros: Jackson dentro do seu pandeiro.   
          No palco do Festival, na sua terra natal, Alagoa Grande, haveria atrações como os Filhos de Jackson, Chico César, Nathália Bellar, Rotonho, Fulô Mimosa e especialmente Biliu de Campina Grande. Tudo pronto, menos a documentação de Biliu para o contrato, que, com bom humor, adiou ao II Centenário sua participação: “Bira, diga ao amigo Secretário que é uma honra, mas muita coisa exigida para esse I Centenário, só tenho tempo a me preparar para o II Centenário”... Rimos e enviamos o diplomata Bira Delgado, nosso então coordenador de Música, à Rainha da Borborema, onde passou dois dias, juntando os papéis de Biliu, com ajuda da Prefeitura Municipal. E no dia aprazado, 31 de agosto de 2019, na Praça do Teatro de Alagoa Grande, Biliu, com competência e alegria, apresentou, a uma multidão, um dos mais animados e atrativos shows, cantando e dançando, noite de excelente espetáculo. Foi a grandeza da programação de seis dias, que contou, além de música, com teatro, oficinas e participativas palestras no Museu, com o nome do artista da terra, sob a coordenação do jornalista Fernando Moura, biógrafo de Jackson do Pandeiro.

        Já para o São João na Rede, versão 2022, realizado também pela Secult, logo cogitou-se Biliu, e Bira Delgado já organizara o seu portfólio, que serviu à linda  noite de 14 de junho, em Pocinhos. Biliu parecia um elegante matuto de chapéu de massa, vestido como um lord, todo a rigor, numa distinta  indumentária, como começasse já se despedir da sua longa vida artística. Assim Biliu cantava e sapateava como Jackson do Pandeiro. Seus  trajes o diziam campinense: um longo blazer preto, exigência do frio, no alto da Serra da Borborema. Show à parte, de Biliu e suas tiradas compreendia-se a sabedoria popular de um pensador, que perdemos com seu falecimento.
          Pocinhos completava com Joana do Forró um “forró bom demais”, sob centenas bandeirolas de São João, barracas ao longo da rua serviam gostosas iguarias juninas e ótimas cachaças brejeiras. As vestes eram as mais variadas, mas, de predominância junina ou do fim da colheita do milho. Aqui e acolá uma bonita mulher com uma flor vermelha de crepe no cabelo. Mas ninguém tão bem vestido como Biliu, em pura simplicidade, com o pandeiro e o costumeiro chapéu preto, contrastando com sua barba branca. Depois de muito cantar e sapatear, pedia-se bis e Biliu sorria e atendia... Parafraseando Marcel Proust, ele era apenas um adolescente que vivia demais, e em cujo infatigável corpo, mente e ânimo, cultivava a continuidade da nossa cultura musical, a autêntica cultura de raiz. Nossas reverências a Biliu de Campina e de todos nós, que partiu e sendo ícone da tradição do Coco de Roda, do forró, e de Jackson do Pandeiro. Se a cultura  nos identifica, agradeçamos a quem sempre a cultivou, ao advogado Severino Xavier de Souza, como de batismo se chamava, que preferiu o coco de roda às petições e trocou a tribuna pelo palco...

Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 18/07/2024
Alterado em 19/07/2024


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