Voto e cidadania
Cada qual, na sua cidade, usará seu título eleitoral, como parte da sua cidadania. Pode haver até título sem cidadania, mas difícil seria cidadania sem escolher, democraticamente, quem dirija a vida da pólis. Como, numa garrafa de vinho, o conteúdo é o que dá significado ao título, o cidadão ou a cidadã culmina suas ações cívicas, participando, ativamente, na escolha dos seus políticos. É por isso que é preciso ter idade e juízo, quando se tem o título. Ser cidadão não é tão somente morar na cidade, mas sobretudo participar da sua vida política.
Sonhei que a cidade parecia vazia. Cheia de ruas, de becos, de casas, de prédios, sem habitantes; de carros, de ônibus, de trens sem passageiros. A natureza vivia... As águas estavam silenciosamente paradas; somente o rio corria, também o vento, fazendo as folhas de algumas árvores centenárias se movimentarem. Via apenas coisas que faziam parte da urbs; coisas urbanas, como as paradas de coletivos, os abandonados transportes, os reconhecidos logradouros, coisas deixadas, sem vida, que se inferiorizavam no meio da natureza verde. Agoniado pesadelo, a cidade estava vazia: nenhuma mulher para o mundo das crianças, tampouco alguma criança, nem sequer um idoso, para nos contar o que teria acontecido ou pessoas com experiência para orientarem os sem experiência de vida.
Seria uma cidade vítima de armas ou talvez de catástrofes; talvez apenas coletivamente deserdada. Mesmo dormindo, aparecia um estranho convencimento: sem gente, não há cidade; aquilo era apenas um amontoado de coisas fabricadas ou construídas para moradia ou uso dos que faziam a cidade. Havia a urbs, faltava a civitas; a urbs é a estrutura, a civitas, o organismo, a vida orgânica. Para haver cidade, fazem-se necessários cidadãos e cidadãs; e para serem felizes, comportando-se coletivamente como gente daquela cidade, libertando-se das demagogias; das mentiras políticas, da perversidade e enganação ideológica do “homo lupus homini”; sendo o povo povoando o povoado; a cidadania, a cidade.
Deveriam pairar, antes das eleições na nossa consciência, a tendência de ser feliz na sociedade, a coragem de ouvir e participar do consensus, como visa Daniel Bello o Bem Comum, em Les Contradictions Culturelles du Capitalisme. A eleição é única circunstância cidadã para se escolher pessoas que nos ajudem a esses benefícios consensuais. Corajosamente não é o medo, nem a dúvida ou o talvez... Nesse contexto, o histórico do candidato ajuda a desfazer o temor da aventura. Não há eleição sem escolha, sem o mínimo de comparação, sobretudo quando existem candidatos com distintas e diferentes qualidades, o que possibilita, na democracia, a exitosa escolha. Daí, sempre repetir em poucas palavras: ninguém escolhe sem comparar.
Quando circunstanciais desestímulos ou maquinações apresentam candidato único, costuma-se ouvir do eleitor: “Não tive escolha”. Hoje, a conduta reprovável, contrária à cidadania, seria retroagir às eleições, então capitaneadas pelos “coronéis”, hoje por “proprietários” de redutos eleitorais; à compra de voto ou à campanha dos fake-News, o que merece repúdio, criminalização e punição pela Justiça. Acordados, decepções experimentadas começam a educar o povo; e o voto a escolher candidatos que já provaram e comprovaram o bem-fazer e se portam como o bem exige. Candidato favorito deve apresentar sua história e bom desempenho político, confirmado pela sua vida pública. Tudo promete que, nas próximas eleições, não deixaremos a cidade vazia...