Saber perder, destemida coragem
Saber perder supõe despojamento interior, humildade de espírito, o que não possuem os que só desejam ter. O espírito, assim despojado, é fecundo, dialoga com o Lógos, circula entre os outros espíritos, tendo sempre uma “boa nova” a dizer; fala, convence sem contradizer. Porque Intolerável é pretender dividir a verdade, demonstrando que a verdade é sua. Ouve-se nessa pretensão quem diga: esta é a minha verdade, essa é a tua verdade. Daí, ninguém pode se fazer dono da verdade. A sabedoria grega recomenda a verdade como sendo una e dona de si. Nesse sentido, a intransigência de Créonte lhe fez a insensatez, causando a morte de Antígona, a do seu filho Hemón e a da sua mulher Eurídice. Quando essas adversidades lhes abriram os olhos, já era tarde demais...
Lamentável que essa sabedoria grega tenha se perdido nos dias atuais e com isso, a substanciosa concepção de verdade, o que gera tantas ideologias e religiões que se digladiam, quando poderiam, libertas dos partidarismos políticos, confluir para a benéfica verdade do Bem Comum. Ao contrário, destroem a possibilidade do diálogo, numa estreita intransigência, reservando-se somente ao plano individual. Não existe mal maior contemporâneo do que essa intransigência em relação ao religioso, político e social.
Insensatez se torna, cada vez mais, sinônimo de intransigência. E quanto mais crescente, mais trágico é o seu fim. Reler os clássicos nos abre os olhos a essa raiz das tragédias, como nesta citação da Antígona de Sófocles: “Sejas menos absoluto em teus julgamentos, nem pretendas ser o único detentor da verdade. Os que pensam que, sozinhos, receberam a sabedoria, ou possuem a eloquência, ou que são gênios, diferentes dos seus semelhantes, descobrem, nas provações, a inutilidade de suas pretensões. Mesmo aos instruídos, não é vergonha sempre aprender e conseguir reformular seus argumentos. Em tempo de inundação, observes, nas margens dos rios, as árvores que sabem dobrar-se, salvando seus rebentos, mas, as que não cedem são desenraizadas; e o marinheiro que não solta a tranca da sua vela, vendo seu barco virar”.
Pois, nada, nessa sabedoria, é mais insensato do que a intransigência da árvore que não se curva e do marinheiro que não respeita os ventos contra o seu barco... A própria busca da verdade, na palavra aletheia, seria procurar a verdade com humildade, sem intransigência, com apego à causa, mas, ao mesmo tempo, sem apego ao que se tem descoberto, no caminhar dessa busca. A verdade, segundo um poema de Parmênides, é uma deusa, em disparada numa charrete, com sua face coberta por um véu esvoaçante, cuja beleza se mostra, em instantes, e somente por partes. Descobrir a verdade seria conhecer o que está encoberto por esse véu, descobrir, momentaneamente, o segredo e o mistério, que o véu encobre.
Genialmente, Albert Camus, em seu livro A Queda, referencia-se sobre esses instantes da verdade, quando afirma: “Chamam-se verdades primeiras as que são descobertas depois de todas as outras”. Quanto ao início, sem temor, saber perder é também ter a coragem e a humildade de reconhecer a verdade de que perdeu...