Damião Ramos Cavalcanti

Enquanto poeta morrer, a poesia haverá de viver

Textos



                                  Coisas como passatempo

         
As Tábuas de Moisés, no Monte Sinai, ao pregar o “Amarás o Senhor, teu Deus, sobre todas as coisas”, divulgaram como ninguém a palavra “coisa” que tem sido excessivamente usada nas conversas, nos escritos ou até quando nós estamos falando sozinhos. Afinal de contas, contadas palavras tiveram o privilégio de terem sido escritas por raios de fogo nos Dez Mandamentos. Também porque na nossa língua “mater”, a de Horácio, Virgílio e Ovídio, coisa  suporta a responsabilidade de ser a tão cobiçada e atualmente vilipendiada  “res publica” ou a coisa do Direito Romano, definindo, no vocabulário latino, queira ou não, variadíssimos significantes, significados em diferentes funções gramaticais. Coisas são fatos, ações, questões, litígios jurídicos, acontecimentos, empresas, negócios, façanhas militares e políticas, história “et cetera”,  como “pragma”, no grego. Ser coisa ninguém deseja, a não ser quando o homem ou a mulher exclama à pessoa admirada: “Que coisa mais linda!”, como Vinicius de Moraes inspirado pela Garota de Ipanema. Ri-se por vaidade, pois quem já viu coisa ter vida? Finge Drummond quando diz: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." É, são coisas da vida...
          A boca do povo fala e repete: “Esse cara é cheio de coisas”; “agora a coisa vai”; “ela não é dessas coisas”; “não se meta nessa coisa”; “é coisa minha”; e, se de mafiosos, “cosa nostra”...  O que eles negam: “nessuna cosa!” O que são essas coisas? Ficam subentendidas no universo do discurso.   O mundo literário está cheio dessas cinco letras.  O caro leitor poderá ter encontrado em outras páginas, mas foi no Riacho Doce, de José Lins do Rego, que a “coisa” me despertou, por primeiro, sua conotação com o sexo:
"E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios". Somente muito depois, li o português Josué Machado explicar que, em Portugal, “coisar” é mais erótico ainda: é fazer o ato propriamente dito. “Coisa de português”... Ou também, por aqui mesmo, de mulher se esquivando do homem: “Deixe de coisa...”
          Aprecio, nos seus ricos significados, a palavra “coisa”, que já se estendeu, no Aurélio e em Houaiss, de substantivo para o verbo “coisificar” e “coisar”. Mas, basta de coisa... Aliás, confidenciei a alguém sobre uma coisa que não tolero: conversa mole ou lero-lero. Contudo, já que desobedeci ao “non bis in idem”, para findar e, em tempo, ironizar os consumistas que amam mais as coisas do que as pessoas, vou adiante sobre As Coisas: As coisas são coisas/ que as coisas não são./ Tu fazes que as coisas/sejam mais do que são./ Se as coisas coisassem,/ serias coisada/ e tão sugestionada/ pelo que elas não são./ Tu tens essas coisas/ e não necessitas,/muitos as compram,/ tu os imitas./ As coisas dominam/ a tua vontade,/ habitam teu corpo,/ moram na casa./ Um dia terás/ maior liberdade,/ e as coisas serão/ sem validade...

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Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 18/08/2011
Alterado em 19/08/2011


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